Informação

Jaime Piçarra*

No rumo certo?

Se uma das lições da pandemia foi a resiliência demonstrada pela cadeia alimentar, em particular, ao nível da alimentação animal, que esteve sempre na linha da frente, não é menos verdade que tal só foi possível devido a uma notável cooperação entre todos os intervenientes: fornecedores, indústria, clientes e autoridades oficiais, num enorme sentido de responsabilidade.

E isso dá-nos esperança para o futuro, cada vez mais incerto e imprevisível, para ultrapassarmos esta grave crise que para além de sanitária, é muito profunda do ponto de vista económico e social.

Para já, esperamos que os fundos europeus (a “bazuca” de que tanto se fala), permitam relançar a economia, reforçar as empresas e a sua capacidade de afirmação nos mercados interno e externo, reduzir a burocracia, apostar nas infraestruturas portuárias e na ferrovia, e que possamos ter uma Administração Pública rejuvenescida, mais ágil e flexível, reduzindo os custos de contexto.

É preciso fazer diferente, mais com menos, e temos uma oportunidade que não podemos desperdiçar. Que implica um novo paradigma e um outro modelo de relacionamento e cooperação, sobretudo ao nível da ligação entre as empresas, a academia e a investigação.

Apesar das dificuldades colocadas pela pandemia, a União Europeia traçou uma linha clara que marcará o nosso desenvolvimento coletivo: a aposta na resiliência, na transição para uma economia verde, no combate às alterações climáticas, na digitalização.

Temos assim uma componente de proteção ambiental e de biodiversidade como nunca tivemos no passado, que tem de ser compatibilizada com economia e competitividade, geradora de emprego e de riqueza para Portugal.

O Green Deal e a Estratégia “Do Prado ao Prato” irão influenciar e condicionar os setores da alimentação animal e da pecuária, e toda a agricultura em geral. A IACA já teve oportunidade de se pronunciar e chamar a atenção sobre o impacto negativo de algumas metas, que são sobretudo “aspiracionais”, muito ambiciosas, e cujas preocupações são partilhadas quer pelos nossos parceiros, quer por Estados-membros como Portugal.

Apesar dos alertas, partilhamos das suas linhas gerais e estamos disponíveis para ser parte da solução. No entanto, temos de ter os nossos indicadores e evidências, dados concretos de impacto do nosso Setor e construir a nossa narrativa, numa base científica, sem deixar de assumir compromissos e responsabilidades.

Por isso, assinámos recentemente a Carta de Sustentabilidade FEFAC 2030, temos projetos em curso no quadro do Alentejo 2020, estamos no GO Efluentes e lançámos, com mais 18 entidades, o Laboratório Colaborativo FeedInov, que mostra uma aposta clara na Sustentabilidade e em soluções nutricionais inovadoras para se atingirem os objetivos e os desafios que nos são impostos pela Sociedade.

Apostamos na inovação e na investigação, no conhecimento e na ciência.

No entanto, temos dois grandes condicionantes que vão marcar decisivamente o nosso futuro coletivo, que devem estar interligados: a Agenda de Inovação e a reforma da PAC que, tal como em 1992, pode ser fechada numa presidência portuguesa.

Definidas na semana passada as orientações do Conselho e do Parlamento Europeu, é agora tempo de construir o nosso Plano Estratégico da PAC (PEPAC), com políticas públicas coerentes e dentro da flexibilidade que a Comissão nos “concede”. Aqui chegados, não podemos esquecer as realidades do País, que importa manter na sua diversidade, a dependência de matérias-primas, a soberania alimentar e a relevância da agropecuária no equilíbrio do território e da paisagem, travando o abandono e a desertificação, fixando os jovens no espaço rural.

Embora com uma orientação para o mercado, nunca a multifuncionalidade da agricultura e do espaço rural, introduzida na reforma Mac Sharry de 1992, foi tão atual.

Os 9 objetivos da PAC não se podem esgotar na Política Agrícola mas em políticas públicas que a complementem, seja do ponto de vista ambiental, social ou educacional, nas escolas ou na informação ao consumidor (sistemas alimentares sustentáveis), de saúde pública e segurança alimentar, mas igualmente nos programas de inovação e I&D, na adoção de novas tecnologias que potenciem a agricultura e a alimentação de precisão.

O caminho para a sustentabilidade é irreversível e o modelo que temos pela frente é o de recorrer cada vez menos a ”consumos intermédios”, menor quantidade de inputs e mais eficiência.

Menos intensificação e maior eficiência ecológica, ou seja, não faz mais sentido falar-se em produções intensivas ou extensivas, que apenas contaminam o debate, mas em produções ecologicamente eficientes.

No entanto, este modelo necessita de tecnologia e de inovação e de uma Agenda clara do que Portugal precisa no horizonte 2030.

A Agenda de Inovação recentemente apresentada pela Ministra da Agricultura que fala claramente no FeedInov e do investimento na EZN, vem, no essencial – com a multiplicidade de CoLab (InnovPlantProtect, B2E…), Grupos Operacionais, Centros de Competência, com estratégias de inovação setoriais (CEREALTECH, VALORCER, INOVMILHO, InovTechAgro…), desenvolvimento de novas matérias-primas (algas, insetos, o CEBAL, por exemplo com a esteva) – ao encontro dos nossos objetivos.

Compatibilizar sustentabilidade com competitividade só faz sentido com tecnologia, inovação, experimentação e compromissos, das empresas, das universidades, das unidades de investigação, e com políticas públicas motivadoras, coerentes e inclusivas.

Resta-nos acreditar e que as orientações dos fundos e desde logo a PAC, corporizem esta ambição.

De uma Terra Futura que tem de ser uma Terra com Futuro.

Tudo isto com maior interligação entre todos os Ministérios envolvidos e uma boa articulação entre as diferentes tutelas, que implica também um novo modelo de relacionamento entre o Estado, as empresas e instituições: “cúmplices” no mesmo objetivo.

Porque, não nos iludamos, esta poderá ser a última oportunidade para estarmos no Rumo certo!

* Secretário-Geral da IACA