De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a carne suína é a carne mais consumida no mundo (36%). Neste contexto a União Europeia e Portugal atravessam um momento de crescimento dos seus mercados fruto das exportações para a Asia e em particular para a China em resultado dos problemas sanitários que afetam estes países, nomeadamente os resultantes da peste suína africana, febre aftosa e peste suína clássica, ainda que este cenário se possa inverter no espaço temporal dos próximos 2 ou 3 anos conduzindo a mais uma crise a que o setor não é alheio. Junto com esta realidade, a atual pandemia cujo fim está longe de ser conhecido, perturba a montante e a jusante da cadeia de produção o normal funcionamento do setor, desde o regular abastecimento de matérias-primas até às dificuldades sentidas nas cadeias mais tradicionais de comercialização.
E outros desafios se impõem para a suinicultura no horizonte 2030, de onde a inovação numa fileira que tem de se manter competitiva e eficiente cumprindo com metas ambientais, de sanidade e de bem-estar animal tem um papel determinante para aqueles que são os principais benificiários dos avanços na produção animal, e que são os consumidores!
Assim, falar em suinicultura 4.0 é sinónimo de utilização das tecnologias digitais e da eficiência que as mesmas podem trazer ao criador, mas também na inovação aliada em matéria de biossegurança, genética e sustentabilidade. Começando por estas, se a biossegurança contínua a ser é chave para a profilaxia do estado sanitário dos efetivos, é por demais evidente o contributo que hoje as tecnologias no melhoramento genético, como o uso de marcadores (genómica) têm no resultado geral da produção através dos ganhos obtidos em prolificidade e redução da mortalidade de leitões, capacidade de desmame, conversão alimentar e ou resistências a doenças. A sustentabilidade começa pela necessidade da criação de uma imagem geradora de um impacto social positivo em questões como o uso de chorumes como fertilizantes orgânicos ou o uso de energias alternativas, e pela transformação digital do setor e as tecnologias associadas.
Sobre estas, tomando por referencia o documento de 2016 da Pwc (https://www.pwc.com/gx/en/issues/technology/essential-eight-technologies.html) sobre as oito tecnologias emergentes para o sucesso empresarial, e deste ponto de vista também para o sucesso na agricultura ( Inteligência Artificial, Realidade Aumentada, Blockchain, Drones, Internet das Coisas, Robótica, Realidade Virtual, Impressão 3-D), todas podem contribuir para o aumento de eficiência produtiva, rastreabilidade do processo de produção, pegada ambiental e melhoria das condições de bem estar animal das explorações em suinicultura.
A inteligência artificial pode constituir um importante instrumento na deteção e identificação de padrões comportamentais dos animais, estado sanitário ou biometria através de dispositivos de áudio e vídeo instaladas sobre os parques de produção que permitam a observação 24 sobre 24 horas, 365 dias ao ano dos grupos e dos animais individualmente – por exemplo pode ser permitida a identificação de um animal em aflição por ter sido atacado por outro, ou um leitão aprisionado acidentalmente debaixo de uma marrã que dê origem a um aviso que permita a intervenção imediata do tratador.
Entre as tecnologias que mais têm crescido e com maior espectro de utilizadores e aplicações são a Realidade Virtual e Realidade Aumentada. Se a Realidade Virtual é uma simulação artificial, gerada por computador ou recreação de um ambiente ou situação real (por exemplo a visualização do fluxo de ventilação de um pavilhão), a Realidade Aumentada pode definir-se como a junção de camadas invisíveis geradas por software sobre superfícies ou objetos existentes no mundo real, permitindo torná-la mais significativa e permitindo a interação com a mesma. Neste caso é possível a visualização em tempo real de documentos, ferramentas ou procedimentos agilizando e aperfeiçoando o trabalho dos tratadores e técnicos da exploração nas tarefas do dia-a-dia.
Os drones enquanto instrumentos aéreos não tripulados são instrumentos essencialmente uteis no acompanhamento de animais em sistemas de produção a campo, já que permitem identificar a localização desses animais, observar o seu comportamento e dependendo dos sensores de que sejam equipados, poderem realizar avaliações biométricas ou registos vitais como temperatura. Outro contributo que podem dar prende-se com as medidas de biossegurança e a capacidade que estes veículos tem de transporte de pequenas mercadorias, possibilitando a movimentação das mesmas entre explorações ou entre pavilhões da mesma exploração sem a presença física humana.
A Internet das Coisas resulta da instalação de sensores que em tempo real registam, monitorizam e enviam à distância informação para uma rápida tomada de decisão por parte dos tratadores, ou conjugada com sistemas de Inteligência artificial, a automação completa dos sistemas de produção através da análise dos dados e a criação de respostas por ativação de mecanismos atuadores. Assim, muitas vezes acontece já hoje na climatização de explorações mais modernas em que a conjugação de dispositivos que permitem medir – avisar – controlar – criar relatórios e responder em função de padrões pré-determinados, permitem mesmo à distância o acompanhamento das condições de bem-estar animal dos efetivos.
Cada vez mais a robótica tem presença na agricultura. A sua utilidade prende-se uma vez mais com a capacidade que tem de estar presente a tempo inteiro no acompanhamento do efetivo com velocidades de processamento de informação infinitamente superiores à capacidade humana, mas também na possibilidade de realização de tarefas repetitivas e de forma mais segura para os operadores. Em suiniculturas o seu potencial prende-se com operações de limpeza dos parques, deteção de estros, distribuição automático de alimentação ou em matadouros nas linhas de desmancha em operações de corte e embalamento de carne.
Por último refira-se a Impressão-3D e o Blockchain. Se a primeira é uma ferramenta instrumental que hoje permite aa replicação ou criação de peças de substituição para reparação de equipamentos e máquinas reduzindo os tempos de espera e permitindo a continuidade de tarefas que de outra forma tomam dias para permitir a continuidade de operações ou processos em curso; a segunda é um instrumento de integração de tecnologias e de registo em linha. Através do blockchain é possível construir sistemas fiáveis de rastreabilidade de cada produto transacionado na cadeia alimentar com a identificação segura dos seus intervenientes, reunindo informação resultante das tecnologias descritas e a jusante permitindo a criação de redes entre criadores e compradores possibilitando novas oportunidades de logística e negócio.
Todas esta tecnologias em conjunto contribuem de forma precisa para que as explorações melhores possam ainda ser melhores, com níveis de produtividade consistentes que lhes permitam amortecer custos de produção mesmo face às variações nos preços das matérias primas, garantir a competitividade do setor. À semelhança de outros setores, também em suinicultura Inovação e Estratégia devem ser palavras de ordem, mas as vantagens resultantes das novas tecnologias só se tornam reais com conhecimento da sua verdadeira utilidade e sensibilização dos criadores para a sua adoção, com a sua formação e a existência de fórum alargados que contribuam para a identificação de novas oportunidades e soluções.
É nesse sentido que o Centro Nacional de Competências para a Inovação Tecnológica do Sector Agroflorestal – InovTechAgro assume nas suas parceiras um conjunto vasto de 65 entidades, numa tentativa de levar de forma transversal e em rede com os demais Centros de Competência o conhecimento da importância do contributo tecnológico nas áreas de agricultura de precisão, mecanização e digitalização para a competitividade do setor.
*InovTechAgro
Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Portalegre