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RECENTES DESENVOLVIMENTOS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL E O IMPACTO NO MERCADO DA CARNE DE PORCO

O Copa-Cogeca tem vindo a intervir no sentido de alcançar um maior apoio e proteção dos suinicultores europeus no panorama do comércio internacional.

Daniel Azevedo*

O mais recente relatório anual sobre comércio confirma que, em 2020, a comercialização de produtos agroalimentares resultou num excedente de 62 mil milhões de euros. Apesar dos desafios apresentados pela Covid-19, o setor agroalimentar da União Europeia (UE) provou a sua resiliência e garantiu a segurança alimentar dos seus quase 500 milhões de habitantes.

Com o setor orientado para o mercado, este exporta cerca de 15 a 17% da sua produção, tornando este desempenho comercial vital para o setor da carne de porco. Em 2020, o conjunto do setor da UE exportou 5.422.303 toneladas de carcaças. De janeiro a setembro de 2021, o setor da carne de suíno europeu exportou 4.117.490 toneladas. No entanto, o seu desempenho económico tem estado sob pressão devido às restrições injustificadas à nossa carne pela falta de reconhecimento da regionalização por parte de alguns dos nossos principais compradores, nomeadamente na Ásia.

O presidente do nosso grupo de trabalho, António Tavares, tem-se pronunciado bastante sobre a necessidade de apoio aos nossos produtores afetados pela Peste Suína Africana, salientando a que a Comissão deve apoiar o mercado da carne de suíno, melhorar a gestão da população de javalis e apoiar o desenvolvimento de uma vacina na UE.

COMÉRCIO MULTILATERAL

O Copa-Cogeca favorece acordos comerciais multilaterais e apoia a Organização Mundial de Comércio (OMC), com possíveis novas ideias sobre as disciplinas de comércio internacional, por exemplo, na área do Mecanismo de Ajustamento dos Limites do Carbono e do bom funcionamento do organismo de resolução de litígios (ainda bloqueado pelos EUA).

Na sequência do adiamento do MC12, para o sucesso da conferência é necessário que haja um contributo positivo para a agricultura. Contudo, as posições estão muito extremadas. A UE procura um resultado realista sobre as questões passíveis de progressos (por exemplo, as restrições à exportação e transparência). Contudo, não são esperados avanços em matérias como apoio interno, acesso ao mercado, concorrência na exportação.

Para o setor da carne de porco, é importante recordar que o painel da OMC em 19 de agosto, apoiou a UE num litígio de dois anos sobre as medidas de proibição por parte da Rússia relativas à importação de porcos e respetiva carne oriundos do espaço europeu. Apesar da decisão da OMC, o comércio de carne de porco continuou a ser restringido pela interdição de produtos alimentares do Ocidente, em agosto de 2014. As exportações de carne de porco da UE para a Rússia ascenderam a 1,4 mil milhões de euros (1,6 mil milhões de dólares) em 2013, representando um quarto das exportações totais de carne de porco da UE na época.

POLÍTICA COMERCIAL DA UE

A Comissão Europeia publicou a revisão da política comercial da UE (18 de fevereiro), que deverá ter lugar durante a presidência rotativa do Conselho da UE, a decorrer de janeiro a junho de 2022. O Ministro francês da Agricultura irá propor a imposição das normas agrícolas da UE aos seus parceiros comerciais, através de cláusulas nos acordos comerciais – também conhecidas como “cláusulas espelho” (por exemplo, as de bem-estar animal).

Face a esta proposta, a Comissão alegou que pode violar as regras da OMC, expondo a UE a potenciais represálias. Espera-se que a Comissão Europeia apresente, até junho de 2022, um relatório sobre a viabilidade da aplicação das suas normas a todas as importaçõe que entrem no espaço europeu. A Comissão analisará as normas que podem ser aplicadas às importações, respeitando os respetivos compromissos internacionais e as regras da OMC.

Cumprindo as tarifas europeias, o Copa-Cogeca apoia o comércio dentro do espaço europeu e com países terceiros, com base em regras equilibradas, justas e transparentes para evitar desequilíbrios da concorrência. Por princípio, as importações para a UE devem estar em conformidade com os requisitos da União para os seus próprios produtores.

GREEN DEAL E POLÍTICA COMERCIAL
Os objetivos estabelecidos no Green Deal Europeu e as suas estratégias e iniciativas, em particular a Estratégia “Farm to Fork” (F2F) para 2030, serão sem dúvida a política mais impactante para o setor da carne de suíno nos anos vindouros. O Copa-Cogeca têm alertado sistematicamente a Comissão para a necessidade de assegurar a coerência entre o Green Deal e a política comercial. Solicitámos à Comissão que fosse feita uma avaliação do impacto global antes das propostas legislativas.

Diferentes estudos, incluindo do Joint Research Center, preveem uma diminuição da competitividade do setor agroalimentar da UE, levando a uma redução das exportações e ao aumento das importações, à subida dos preços dos bens alimentares e ao aumento da fuga do carbono para países terceiros. Alguns estudos sugerem mesmo que poderá levar à perda da biodiversidade noutros continentes devido à transferência da produção da UE.

Na sequência da publicação da proposta de regulamento relativa aos produtos livres de desflorestação, o Copa-Cogeca apoia o trabalho da Comissão no combate à desflorestação, em conformidade com as ambições do Green Deal. É igualmente essencial que a proposta seja compatível com a OMC para evitar represálias. Além disso, a abordagem da implementação de cadeias de abastecimento segregadas sem uma transição adequada poderá ter um impacto significativo não só nos custos de produção e nos preços finais, como também na disponibilidade de produtos agrícolas no mercado da UE.

A Comissão Europeia publicou recentemente o guia para a Iniciativa de um Sistema Alimentar Sustentável. A relevância desta iniciativa poderá levar à proposta da Comissão para uma regulamentação do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu sobre o sistema alimentar sustentável da UE, no âmbito da Estratégia Farm to Fork. Aguarda-se a continuidade.

ACORDOS COMERCIAIS BILATERAIS

No que diz respeito aos Acordos de Comércio Livre (FTA) regionais, assumimos uma abordagem ad-hoc, baseada em cada acordo. Apoiámos os FTA entre a UE e japoneses, canadianos, britânicos e mexicanos, mas sublinhámos os impactos negativos (por exemplo, o impacto cumulativo) que estes acordos podem ter em alguns setores. Temos vindo a sublinhar a necessidade de eliminar obstáculos desnecessários às nossas exportações, o reconhecimento de uma entidade única, o reconhecimento do princípio da regionalização e uma política de promoção forte.

Por isso, demos as boas-vindas ao Comissário Europeu para a Agricultura e Desenvolvimento Rural, o Comissário Janusz Wojciechowski, na sua primeira missão de alto nível que terá lugar em Singapura, nos dias 27 e 29 de março de 2022, e no Vietname, de 29 de março a 2 de abril de 2022.

Na sequência da ratificação do Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido, o acompanhamento da sua completa e pragmática implementação é agora o aspeto mais relevante para o Copa-Cogeca. Por exemplo, o Governo do Reino Unido decidiu adiar alguns elementos dos novos controlos, sobretudo os que estão relacionados com os bens sanitários e fitossanitários até 2022.

A UE e o Reino Unido continuam a negociar pontos de flexibilidade e ajustamentos à execução do protocolo da Irlanda do Norte no âmbito do Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido, não tendo ainda, no entanto, chegado a uma conclusão. Subsistem algumas
preocupações quanto aos atos unilaterais por parte do Reino Unido através do artigo 16º. O Copa-Cogeca apoia a Comissão na sua ação de encontrar soluções pragmáticas para a facilitação do comércio, desde que se mantenha a integridade do mercado único.

Para garantir um resultado rápido, o Governo do Reino Unido propõe o comércio agrícola totalmente liberalizado para o mercado do Reino Unido no âmbito do FTA entre o Reino Unido e a Austrália e o FTA entre o Reino Unido e a Nova Zelândia. Isto terá consequências para a agricultura britânica e pode conduzir a uma grave perturbação no comércio UE-Reino Unido, dada a proximidade e a integração entre os dois mercados, como o impacto das “tarifas zero, zero TRQs” (contingentes tarifários) no acesso ao mercado entre a UE e o Reino Unido. É imperativo manter as medidas no Reino Unido o mais restritas possível.

A Comissão e os países do Mercosul concordaram em abordar e resolver as preocupações em matéria de sustentabilidade e do Acordo de Paris, através de declarações adicionais, sem reabrir a negociação do acordo comercial.

Este fator tem de ser ultrapassado antes de se iniciar o processo de ratificação do acordo UE/Mercosul. Além disso, o Presidente da Comissão está a considerar a proposta de uma divisão do acordo comercial a partir do acordo mais vasto, o que poderia acelerar a ratificação. Esta abordagem não é apoiada pelo Copa-Cogeca.

O Copa-Cogeca não pode apoiar o acordo com o Mercosul, sobretudo por razões ligadas à concorrência e à forma como a agricultura tem sido utilizada como moeda de troca para novos acessos aos mercados do Mercosul para outros setores económicos. O acordo não é equilibrado e não está em conformidade com os objetivos do Green Deal europeu para a sua comunidade agrícola. Tendo em conta a enorme diferença entre as medidas impostas à produção, as importações de bens agrícolas do Mercosul estabelecerão normas duplas e uma concorrência desleal para alguns setores de produção europeus fundamentais, como o setor da carne de porco.

Tendo em conta que o mercado australiano tem importado, em média, cerca de 100.000 toneladas de carne de porco da UE desde 2017, o setor suinícola europeu tem manifestado o seu interesse no desenvolvimento desta relação comercial. No âmbito das negociações comerciais UE-Austrália, estamos a acompanhar o projeto-piloto para permitir o reconhecimento da UE como mercado único. Isto permitiria que todos os países da UE pudessem exportar para a Austrália.

As negociações de um FTA começaram em 2018, com a primeira oferta de acesso ao mercado (sem setores sensíveis) a ter lugar em outubro de 2019. A oferta de mercado cobre mais de 95% das tarifas e comércio. Até ao momento, a UE excluiu das negociações cinco setores sensíveis (carne de bovino, carne de ovino, laticínios, açúcar e arroz).

O entendimento sobre as barreiras para a eliminação de tarifas, incluindo as SPS (condições sanitárias), o reconhecimento de uma entidade única, a regionalização, a garantia da gestão do TRQ (contingente tarifário) e a garantia de um reconhecimento reforçado das referências geográficas dos produtos agrícolas e alimentares constituirão algumas conquistas destas negociações. Os nossos membros identificaram a carne de porco, os laticínios e o vinho como interesses ofensivos.

A 12.ª ronda de negociações estava prevista para meados de outubro de 2021, mas foi adiada para o primeiro trimestre de 2022, possivelmente após as eleições francesas.

O acordo UE-México é interessante para o setor da carne de suíno da UE. Esperamos que a Comissão envie o acordo ao Conselho até ao final de 2021 ou início de 2022. Se for apoiado pelo Conselho, o acordo comercial UE-México será enviado para ratificação no PE (apenas).

As negociações UE-Chile sobre a modernização do acordo comercial estão muito próximas de ser concluídas a nível técnico. Resultados-chave: reconhecimento de 200 GIs e o fim do fator de crescimento anual para a maioria dos TRQs.

*Director in the Commodities and Trade team do Copa-Cogeca