A iniciar o seu mandato como Ministra da Agricultura, a FPAS esteve à conversa com Maria do Céu Antunes para conhecer os planos do XXII Governo para o sector da suinicultura:
FPAS: A Produção pecuária e a agricultura em geral, têm vindo a dotar-se de uma série de inovações e a informatizar-se de tal forma que, hoje em dia, é possível, no âmbito da agricultura de precisão e de produção pecuária, fornecer a animais e plantas os nutrientes que precisam na exata quantidade que eles precisam. O que é por um lado visto como um avanço e como uma forma de usar adequadamente os recursos naturais, é visto, por outro, como um atentado da produção intensiva a esses mesmos recursos naturais. Como se posiciona o Ministério da Agricultura em relação a estas questões?
MCA: A agricultura e a pecuária de precisão permitem, a montante, que sejamos mais eficientes na utilização dos nossos recursos. Poderemos usar menos água, menos fertilizantes, menos produtos fitofarmacêuticos para o mesmo nível de produção. Desta forma estamos claramente a contribuir para um uso mais sustentável dos recursos naturais, perfeitamente em linha com o objetivo governativo que é promover uma agricultura mais sustentável.
Este uso mais eficiente dos recursos permite-nos também reduzir os impactes ambientais das atividades agrícola e pecuária. A preocupação com os nitratos e os resíduos de pesticidas estão já bastante sedimentadas em todos nós e assumem-se como questões devidamente reguladas pela legislação nacional e comunitária. No entanto, atualmente enfrentamos um desafio estratégico: respondermos às alterações climáticas e fazermos uma transição justa para uma sociedade descarbonizada. E as soluções de precisão dão também o seu contributo.
A propósito desta questão, não podemos deixar de fazer referência à bioeconomia circular, crucial na pecuária intensiva. A economia circular é uma aposta deste Governo. Pretendemos promover a circularidade da economia em geral, mas também na agricultura e na pecuária, em particular. Acreditamos que esta é uma via fundamental para conciliarmos uma agricultura inserida nos mercados com uma agricultura capaz de assegurar uma alimentação saudável e uma utilização sustentável dos recursos naturais. Entre vários exemplos, convém fazer referência ao projeto Grupo Operacional Efluentes, liderado pelo INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária) e que conta com a colaboração de outras entidades científicas, empresas, grupos de produtores, associações e federações. Este projeto procura transformar um problema numa oportunidade, reduzindo os fluxos de efluentes e transformando-os em recursos da atividade agrícola, pecuária e florestal. É um projeto integrado que passa pela alimentação animal, pela mitigação dos gases com efeito de estufa e por várias formas de valorização dos resíduos, incluindo a valorização energética dos efluentes dos suinicultores.
FPAS: Prevê-se que a nova PAC tenha um foco bastante intenso na questão das alterações climáticas. O que pode o setor da suinicultura esperar da nova PAC?
MCA: A proposta apresentada pela Comissão Europeia para a PAC pós 2020, em junho de 2018, está ainda em discussão, neste momento, no Conselho Europeu.
Esta proposta apresenta a conceção de um plano estratégico PAC que definirá os instrumentos de política para o período 2021-2027, para o conjunto da PAC – 1º e 2º pilares. Ancorado em princípios que acarretam desafios: maior grau de subsidiariedade para os Estados-Membros, particularmente ao nível da conjugação dos apoios existentes no pilar 1 e no pilar 2, que serão programados em conjunto; aumentar a ambição ambiental e climática da PAC através de uma nova arquitetura verde, que reforça a condicionalidade e a obrigatoriedade de estabelecer eco regimes; foco no desempenho ao pretender-se um novo modelo para que a política passe a centrar-se no desempenho, na obtenção de resultados, face aos objetivos de política, e não no mero cumprimento da conformidade.
Prevê-se a continuidade de grande parte dos atuais instrumentos de apoio ao setor da atual PAC e que respondem às principais preocupações, nomeadamente na política de desenvolvimento rural: risco/ fundos mutualistas, bem-estar animal, investimento, formação, I&D, cooperação, organizações interprofissionais. Saliente-se, no contexto dos instrumentos de gestão do risco, a possibilidade de apoio a fundos mutualistas.
Serão ainda mantidas, no âmbito das medidas de mercado, as medidas de rede de segurança ‘habituais’ e de crise, como a armazenagem privada.
Os desafios que o setor atravessa, nomeadamente num contexto de adaptação e mitigação dos efeitos das alterações climáticas, passarão pela incorporação de inovação.
Decorrem os trabalhos de preparação do plano estratégico da PAC (PEPAC). Este exercício será balizado nos objetivos estratégicos, gerais e específicos, definidos regulamentarmente pela PAC e ainda pelo quadro interministerial de prioridades estratégicas que deve nortear as políticas públicas no horizonte 2030 e que obriga a um trabalho técnico multidisciplinar e a uma consulta muito alargada com o envolvimento fundamental dos setores.
FPAS: A suinicultura, após vários anos de negociações com os parceiros conseguiu, recentemente, o reconhecimento oficial do Interprofissional FILPORC, que, entre outras questões irá, previsivelmente, habilitar a fileira da carne de porco à promoção do consumo deste produto dentro e fora de portas. Como vê a criação desta plataforma, bem como a promoção do produto desta fileira? Poderá este Interprofissional ter outros papeis relevantes no desenvolvimento do trabalho da fileira?
MCA: O reconhecimento, em agosto de 2019, pelo Ministério da Agricultura, da FILPORC, enquanto “Organização Interprofissional”, deve constituir um marco para o setor, pois significa que, ao fim de vários anos de diálogo, a produção e a indústria da carne de porco tiveram a capacidade de concertar entendimento em fatores geradores de valor para toda a fileira.
Num momento em que a situação de mercado é favorável à exportação de carne de porco, sem dúvida que a condição de “Organização Interprofissional Reconhecida” confere, à FILPORC, o estatuto de potencial beneficiário do regime europeu de promoção de produtos agrícolas, em que é relevante o facto da comparticipação da União Europeia atingir 80% das despesas. O setor da carne de porco em Portugal fica agora também em pé de igualdade com Interprofissionais vizinhas, como a francesa ou a espanhola, podendo daí também recolher sinergias caso decidam enveredar por programas de promoção conjuntos (os chamados programas “multipaíses”), com uma dimensão europeia maior.
Por outro lado, ao passar a existir a FILPORC, enquanto Organização Interprofissional reconhecida, é o próprio diálogo com o Ministério que fica mais agilizado, por se tratar da fileira no seu conjunto e por estarem estão representadas as maiores associações nacionais (a FPAS – Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores, pela produção, e a APIC – Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes, pelo lado da indústria).
O desenvolvimento dos objetivos a que se propõem cabe inteiramente às Interprofissionais, incluindo a possibilidade de firmarem acordos entre os associados que a integram. Em certos casos, como contratos tipo ou ações comuns, sempre que incidam sobre a qualidade dos produtos, a sua normalização e acondicionamento, proteção do meio ambiente, divulgação sobre produções e mercados e ainda sobre ações de promoção e valorização do respetivo produto ou setor, esses acordos são passíveis de portaria de extensão pela Ministra da Agricultura, vinculando também os produtores e industriais que não integrem a Interprofissional. E abre-se também a possibilidade de tais acordos de extensão poderem incluir comparticipação financeira dos agentes económicos do setor, proporcionais aos custos dos serviços prestados no âmbito desses acordos.
FPAS: Como vê o Ministério da Agricultura a exportação de carne de porco para a China, bem como o intento estratégico do setor de tornar Portugal autossuficiente em carne de porco até 2030?
MCA: O setor da carne de suíno, tanto ao nível da União Europeia como a nível nacional, está a atravessar uma fase positiva e dinâmica, com preços elevados e boas exportações. No mercado mundial, o setor dos suínos tem sido afetado por doenças, particularmente pelo surto de Peste Suína Africana, na China, situação que está a favorecer as exportações a partir da União Europeia. A legislatura anterior teve um papel muito importante na abertura do mercado chinês à exportação de carne de suíno nacional, ação esta que apresenta agora reflexos visíveis. As exportações estão, neste momento, acima das registadas em 2018, dados, estes, muito positivos, aos quais acresce a diminuição das importações. Um dos objetivos desta legislatura é apoiar a internacionalização da economia portuguesa e, nesse sentido, tudo faremos para continuar o trabalho junto do mercado chinês, com o objetivo de conseguirmos aumentar as nossas exportações e procurando promover os nossos produtos naquele mercado.
FPAS: Tendo em conta a questão anterior que, previsivelmente, implica um aumento de produção, como se posiciona o Ministério da Agricultura face à necessária flexibilização dos processos de licenciamento, por forma a incentivar os empresários a investir na suinicultura e fomentar o crescimento das empresas?
MCA: É um assunto que está a ser acompanhado pelo Ministério e para o qual estão a ser estudadas e desenhadas soluções, sempre em cooperação com o setor.
FPAS: Relativamente à gestão de efluentes, têm sido encontradas pelo setor, por diversas vezes, divergências entre Ministério da Agricultura e Ministério do Ambiente na estratégia a adotar, verificando-se constrangimentos territoriais na aplicação do destino priorizado pela portaria 631/2009 e pelas recomendações da UE, plasmadas nas MTD’S (Melhores Técnicas Disponíveis). Qual será a estratégia defendida pelo Ministério da Agricultura no que concerne à gestão dos efluentes pecuários?
MCA: É igualmente um tema que exige respostas concertadas entre o setor e as tutelas da Agricultura e do Ambiente.
Existe uma gestão integrada de efluentes, a qual queremos reforçar e que passa pela abordagem circular da economia, visando reduzir as emissões de Gases com Efeito Estufa (GEE) provenientes dos efluentes, obter produtos secundários a partir destes (nomeadamente compostos para aplicação no solo e energia através da produção de biogás), melhorar a fertilidade do solo e o sequestro de carbono através da aplicação de matéria orgânica do solo (provenientes dos efluentes) e do relacionamento da alimentação dos animais com a composição dos efluentes. Atualmente está em curso um projeto, liderado pelo INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária) e envolvendo vários parceiros da produção animal e do sistema científico e tecnológico nacional, designado Grupo Operacional Efluentes. Este tem como objetivos: desenvolvimento de uma metodologia para mapeamento da gestão dos fluxos gerados nos sistemas agropecuários; desenvolvimento de uma visão geral sistemática da gestão dos fluxos gerados nos sistemas agropecuários, visando estabelecer um padrão de previsão do cenário de produção e caracterização, a longo prazo, dos ecossistemas e das atividades pecuárias, em regiões específicas; instalação de unidades de experimentação/ demonstração que respondam a questões específicas de gestão/valorização de efluentes e ajudem os diferentes atores no cumprimento das imposições legais/normativos; contributo para o Inventário Nacional de Emissões com dados nacionais específicos; monitorização, comunicação e verificação das emissões; informação espacial, relativa aos sistemas de gestão de efluentes (armazenamento, tratamento, aplicação) para sensibilização dos diferentes atores; estimativa precisa das emissões; benchmarking; identificação da região e de opções de mitigação específicas; abordagem uniforme em estudos de cenários.
FPAS: Neste momento a Peste Suína Africana que assola o leste da Europa é a principal preocupação sanitária da produção suinícola. Como vê o Ministério da Agricultura esta situação e qual o acompanhamento que o evoluir da mesma merecerá ao nível da tutela e ao nível da administração?
MCA: O último foco de Peste Suína Africana (PSA) em Portugal ocorreu em 1999, sendo Portugal atualmente classificado como país livre de PSA. As medidas de controlo e luta contra a PSA estão descritas no Decreto–Lei n.º 267/2003, de 25 de outubro, que transpõe para a legislação nacional a Diretiva n.º 2002/60/CE, do Conselho, de 27 de junho. A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) tem implementado e atualizado um plano de contingência com a finalidade de assegurar a preparação dos serviços veterinários para fazer face a qualquer surto.
Desde julho de 2019, a Comissão Europeia tem produzido várias decisões de execução sobre a PSA. Tem também realizado reuniões do grupo permanente de peritos da PSA da Europa, organizadas pelo Quadro Global para o Controlo Progressivo de Doenças Animais Transfronteiriças (GF-TAD´s), uma iniciativa conjunta da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e da Organização Mundial da Alimentação e Agricultura (FAO).
A 29 de maio de 2019 foi aprovado, em Portugal, o Plano de Ação para a Prevenção da Peste Suína Africana 2019-2021, (Despacho 5608/2019 do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural). Este plano foi elaborado pela DGAV e pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) com o objetivo de reforçar as medidas preventivas e a preparação da contingência em caso de um surto de PSA.
Foi também aprovada a criação de uma Comissão de Acompanhamento da evolução do Plano, através do Despacho n.º 7364/2019, de 20 de agosto, do Ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.