Vítor Menino dedicou 9 anos à FPAS como Presidente, de 2012 a 2021, mantendo-se atualmente como Vice-Presidente. No seu legado ficam obras como a Erradicação da Doença de Aujeszky, a FILPORC ou o Porco.PT. Foi um dos maiores protagonistas dos episódios de tumulto da Suinicultura nacional e é recordado como o elo de união entre o setor. No ano em que se comemora os 40 anos da FPAS, era inevitável saber o que melhor recorda deste período.
Após 9 anos como Presidente da FPAS, o que mais se orgulha dos seus mandatos?
Em jeito de balanço, o que mais me orgulha no final destes 9 anos foi ver que o setor soube ultrapassar várias provações e adversidades sabendo estar unido. Estou certo ter sido esse o mecanismo que permitiu desenvolver projetos fundamentais para o setor. A marca que destaco destes anos em que estive na Presidência da FPAS: a união do setor. Uma direção forte, determinada e coesa, que deu as mãos na defesa intransigente da suinicultura, que soube colocar os interesses coletivos à frente dos interesses particulares.
Neste particular, importa realçar o excelente trabalho que as Associações federadas na FPAS foram desenvolvendo, prestando um apoio de proximidade e de acordo com as suas especificidades aos suinicultores e, por isso, neste balanço cabe-me enaltecer em primeiro lugar as Associações de Suinicultores que foram e continuarão a ser o motor da ação da FPAS.
Foi graças a esse espírito que estamos colhendo os frutos na execução do Plano de Controlo e Erradicação da Doença de Aujeszky, um plano que desde o primeiro momento, em 2012 solicitámos ao Diretor-Geral de Veterinária de então para que fosse implementado e que, desde aí, se desenvolveu sempre em estreita colaboração entre administração pública e produção, numa parceria público-privada bem-sucedida. Apraz-me que o PCEDA tenha atingido metas que permitiu a sua aprovação na Comissão Europeia no período em que fui Presidente da FPAS, porque sempre foi um projeto que esta Federação entendeu como prioritário para o desenvolvimento da suinicultura portuguesa, sem o qual não poderíamos atingir mercados fundamentais para uma suinicultura que queremos competitiva no espaço global.
A evolução do plano não foi alheia à estratégia de internacionalização do setor. Depois das diversas convulsões que assistimos nos mercados terceiros como a Rússia em 2015, a Venezuela em 2017 e Angola nos últimos anos, a FPAS estabeleceu uma estratégia (e mais uma parceria com a DGAV) para abrir novos mercados, que passava pelo acompanhamento, pressão política e tentativa de desbloquear alguns dossiers. Em consequência deste trabalho invisível, vimos serem abertas as portas da exportação para a China, meta fundamental para contornar a concentração interna da procura.
Também neste mandato soubemos criar as pontes que permitiram que a FILPORC seja uma realidade, criando-se assim uma estrutura para a defesa dos mais diversos dossiers da fileira e com vocação para acompanhar sob diversas matrizes os processos pendentes de abertura e flexibilização de mercados.
Voltando ao ponto da união do setor, não posso deixar de recordar nesta hora a implementação do Programa de Certificação “Porco.PT”, resultado da superação do momento mais difícil da história da atividade em Portugal, que mobilizou o setor em 2015 e 2016 para vir pedir o cumprimento do Regulamento Comunitário da Rotulagem.
Foi desde essa altura que, em Portugal, a carne de porco passou a ser rotulada com a indicação da origem, mas entendemos que devíamos ir mais longe e oferecemos aos consumidores a garantia de que em Portugal produzíamos a melhor carne de porco do mundo. Diferenciámos para valorizar a categoria do produto e colocámos no mercado o Porco.PT.
Quero ainda fazer menção aos eventos que a FPAS promoveu nos últimos anos. Foi na vigência do meu mandato que a FPAS, em colaboração com a ALISP, voltou a organizar a Feira Nacional do Porco, garantindo-lhe uma dimensão verdadeiramente nacional,
estando agora a cimentar a sua internacionalização.
Foi ainda durante os meus mandatos que implementámos a Gala Porco D’Ouro, um evento que serve fundamentalmente para motivar e homenagear as equipas técnicas das explorações suinícolas portuguesas e celebrar uma atividade e os seus empresários que produzem ao nível do melhor que se faz no mundo.
Nota ainda para os Congressos Nacionais de Suinicultura que passaram a ter uma periodicidade bienal e que foram sempre ocasiões marcantes para refletir sobre os diferentes momentos do setor e traçar estratégias em conjunto com todos os empresários do setor.
Houve algum projeto ou ideia que ficou por fazer?
O trabalho associativo nunca está finalizado. Já no último mandato foram lançados projetos que estão agora a ser concretizados. Foi assinado o protocolo de parceria com o Instituto Politécnico de Santarém para constituição da exploração-escola nas instalações da Escola Superior Agrária de Santarém, foi feito o trabalho técnico com a Faculdade de Medicina Veterinária com vista ao desenvolvimento da Certificação em Bem-Estar Animal, que foi posteriormente desenvolvida pela FILPORC, e começaram a ser feitos os contactos que levaram ao desenvolvimento do Roteiro para a Sustentabilidade Ambiental das Explorações Suinícolas Portuguesas.
Dos projetos mais antigos, a forte crise de 2015/2016 protelou a concretização da Segmentação de Ciclo enquanto modelo produtivo que introduziria as respostas necessárias à pressão ambiental e social que o setor sofre nalgumas regiões do país, permitindo-nos crescer em harmonia com os instrumentos de gestão territorial e, sobretudo, com as comunidades. Contudo, estou certo que este não será um projeto abandonado. Se a oportunidade foi adiada, a premissa continua mais presente que nunca e os problemas sociais e territoriais que sentíamos em 2015 continuamos a sentir em 2021. Continuo convicto que a Segmentação de Ciclo vai ser o caminho para a resolução dos mesmos.
Ser atualmente Vice-Presidente significa que vai distanciar-se um pouco da Federação?
Nunca estive distante da FPAS, nem mesmo quando não pertencia aos órgãos sociais. Importa transmitir a todos os suinicultores que a FPAS não se cinge nem se restringe à direção da mesma. Uma FPAS forte só é possível com a participação de todos os suinicultores do país.
Da minha parte, sempre manterei a postura pró-ativa, colaborante e interventiva que julgo que me caracteriza, até por não saber ter outra. Naturalmente, interpretarei um papel diferente neste mandato, mas em qualquer estrutura associativa, até por definição, a intervenção cívica não depende da posição na orgânica.
Deste modo, aproveito este espaço para incentivar os suinicultores que nos leem a participarem na vida das suas associações e da própria federação, porque dessa participação resulta a qualidade do trabalho dos dirigentes associativos.
Quais os maiores entraves à atuação da FPAS, o próprio setor ou a nível político?
Não me referiria tanto a entraves à atuação da FPAS porque, graças ao trabalho que foi sendo desenvolvido ao longo dos 40 anos de vida desta Federação, a FPAS é hoje uma organização reconhecida a nível nacional e internacional, com acesso e diálogo permanente com a tutela, com os organismos europeus e com os seus congéneres a nível europeu e ibero-americano.
Podemos, sim, identificar constrangimentos ao desenvolvimento da atividade no nosso país que se podem
dividir a vários níveis.
Ao nível político, vimos observando uma desvalorização progressiva da importância social e económica da agricultura de uma forma geral, sendo a produção animal o subsetor onde é evidente de forma mais aguda a degradação do seu papel.
Ao nível da administração pública, é justo sublinhar que uma parte dos nossos parceiros institucionais estão hoje mais abertos a discutir e resolver com o setor os problemas que o assolam, e falo concretamente de instituições como a DGAV, a DGADR, o GPP ou o IFAP, não deixando de fora as suas unidades orgânicas regionais.
Mas continuamos a ter uma parte da administração pública que não podemos chamar de parceiros porque se recusam, desde logo, a trabalhar em parceria com a suinicultura, e arrastam problemas de décadas sem perspetivas de resolução.
À cabeça, os problemas de gestão de efluentes, nomeadamente a impossibilidade de aplicar diretivas europeias, legislação nacional e estratégias governativas que apontam a valorização agrícola como a solução magna para a resolução dos problemas dos efluentes pecuários, mas depois verifica-se que em Portugal é liminarmente proibido valorizar efluentes pecuários.
Por esse motivo, creio que a regulação do setor e, sobretudo, o assincronismo entre as intenções políticas e os instrumentos legislativos para a prossecução dessas políticas têm sido os maiores entraves ao desenvolvimento do setor.
Que futuro perspetiva para a Suinicultura portuguesa?
Eu sou um otimista por natureza e, por isso, tenho uma perspetiva animadora do futuro da suinicultura portuguesa. Podia aqui elencar os grandes desafios como os ataques que a atividade tem sofrido por grupos fundamentalistas, a necessária compatibilização da atividade com o crescimento da malha urbana das regiões onde a suinicultura sempre esteve presente, os equilíbrios do mercado, sempre tão efémeros, entre outros, mas também podia recordar desafios passados que a Suinicultura portuguesa soube enfrentar.
Se há lições que podemos tirar desses períodos conturbados é que a suinicultura soube sempre adaptar-se.
Essa é uma moeda com duas faces, se por um lado significa que os suinicultores souberam superar as adversidades, também significa que a suinicultura nunca ficou igual depois de cada crise.
Essa adaptação tem-se traduzido na concentração e verticalização do setor, no ganho de escala que tem permitido atender a novos mercados e na procura constante da eficiência como forma de garantir a viabilidade económica do setor.
Creio que nos próximos anos essa tendência de concentração da oferta manter-se-á, mas importa que os empresários e o próprio movimento associativo encontrem formas de acrescentar valor àquilo que produzem, seja por introduzir processos diferenciados na sua operação, seja por encontrar novos mercados, seja por conseguir promover a carne de porco como um produto fora da categoria de commodity junto do consumidor.
Penso que a FPAS já tem dado contributos para isso, mas precisamos continuar este trabalho, na certeza que continuaremos a ser um pequeno país no contexto mundial na produção de porcos, mas que temos muito por onde crescer, devendo continuar a assumir o objetivo da autossuficiência como desígnio nacional.
A FPAS festeja este ano o seu 40º aniversário. Que memórias guarda destes anos?
São tantas e tão diversas. Talvez as ações coletivas efetuadas nas horas mais difíceis, as crises porque passámos, as manifestações em defesa do setor, porque deixaram marcas e levaram a que muitos tivessem de abandonar a atividade… são marcos que não esquecem. Depois, o fazer crescer, o assistir à transformação de uma atividade que se soube modernizar, e que hoje sabe fazer ao nível dos modelos aplicados pelos melhores. É gratificante perceber que soubemos caminhar por entre tanta adversidade.
Quais as principais transformações do setor nestes 40 anos?
A suinicultura industrial estava nos princípios dos anos 80 a dar os primeiros passos. Ainda aquando da nossa entrada na União Europeia, porque estávamos fechados ao mundo, a nossa suinicultura estava bastante atrasada em relação ao espaço europeu a nível genético, bem como a nível tecnológico, nas mais variadas vertentes. Hoje competimos em produtividade e no saber com qualquer bacia de produção no espaço global.
O Vítor Menino foi uma voz ativa em vários momentos conturbados da Suinicultura. Se voltasse atrás, o que faria de diferente?
Faria o mesmo. Sempre respeitei a sociedade, as instituições, o nosso território e os animais. A estes sempre procurei dar-lhes do melhor que posso e sei, quer seja água, alimento, ar, conforto e respeito.
São estes os princípios porque me bato e dificilmente me darei por vencido, mesmo frente às adversidades que continuamente nos são colocadas, grande parte das vezes por ignorantes, que não conhecem o país, nem as pessoas e a importância da ruralidade de um povo e de uma nação, outras vezes por oportunistas políticos que querem usufruir dos votos daqueles.
Talvez tivesse nascido para fazer crescer e tratar da vida do campo e em especial da vida animal, nada me dá mais prazer.
Revê-se como um exemplo de perseverança e luta pelo setor?
Não me cabe julgar-me a mim próprio. Acho que tenho feito o que me tem sido possível na defesa do setor, não fazendo tanto como gostaria, porque também tenho vida própria e tenho a minha família. Família, tanta vez sacrificada.
Quais as figuras que mais o marcaram?
Muitas, muitos suinicultores, alguns que já partiram, mas também muitos homens e mulheres da administração com quem tenho aprendido muito e a quem aqui agradeço. Seria injusto referir alguém em concreto, porque não conseguiria mencionar todos aqueles a que me refiro.
Como vê o panorama atual da suinicultura nacional e europeia?
Vejo com preocupação face a alguns indicadores que temos vindo a acompanhar nos últimos anos e que este período pandémico e os objetivos estratégicos da atual Presidência da Comissão Europeia vieram acentuar.
A Europa assume-se como um espaço político influenciador do resto do mundo em diversas matérias e, no caso concreto da produção primária, tem tomado a dianteira de um processo de reforma do modelo produtivo que não vejo encontrar sequência nas restantes bacias de produção a nível mundial pelo simples motivo que nos últimos anos a Europa perdeu claramente essa posição geopolítica de influenciador de reformas globais.
Enquanto vemos o consumo de carne na Europa a baixar drasticamente, vemos grandes indústrias europeias, como são as alemãs, a definhar e as indústrias chinesas e americanas a aumentar exponencialmente todos os anos a sua capacidade produtiva.
Entendo que a estratégia que está a ser seguida na Europa está a ser contraproducente porque está a votar à estagnação os modelos produtivos mais sustentáveis e eficientes a nível mundial, fomentando o crescimento de indústrias com processos produtivos questionáveis do ponto de vista ambiental, de bem-estar animal e mesmo de saúde pública.
A estratégia europeia até pode estar certa, mas deve ser concertada sob pena de num curto espaço de tempo não haver operadores a quem aplicar esta estratégia.
Acredita que o caminho da suinicultura portuguesa passa, cada vez mais, pela exportação?
Acredito que em qualquer negócio o vendedor não pode estar na mão do comprador. É uma constatação óbvia que a quantos mais mercados chegarmos, melhor vamos conseguir vender os nossos produtos. Esta constatação também responde à questão da necessidade de exportarmos apesar de não sermos autossuficientes.
A pressão que sentimos no mercado nacional do excesso de produção de Espanha, o terceiro maior produtor mundial, faz com que o nosso mercado esteja constantemente sobrecarregado na oferta, levando a uma desvalorização de diversas categorias de carne de porco.
A exportação permite encontrar mercados que procurem aquilo que o nosso não procura.
No entanto, acredito que a exportação por si só não basta. Penso que a diferenciação deve ser também uma via a explorar. Como já referi antes, Portugal nunca será um grande player no mercado mundial. Mercados como o chinês são fundamentais para mantermos um importante canal de escoamento aberto, mas do ponto de vista dos importadores chineses, é muito fácil encontrar mercados substitutos ao português.
Isso já não acontece se encontrarem no nosso país um mercado de qualidade e de confiança que preencha um nicho que, como sabemos, mercados de nicho na China são suficientes para absorverem muitas vezes a nossa produção.
Nesse sentido, creio que a certificação em bem-estar animal é o caminho que a suinicultura nacional deve adotar para ir ao encontro das necessidades dos consumidores nacionais e para exportar com mais valor os seus produtos.
Enquanto produtor, que projetos ainda tem por concretizar?
Continuar com os processos de melhoria das explorações que estão sob a minha tutela. Esse é um objetivo permanente, de forma a otimizar e melhorar desempenhos cívicos, técnicos e económicos, estando sempre atento a eventuais oportunidades que permitam melhorar a competitividade das empresas à minha responsabilidade.