A fileira da carne de porco une-se para introduzir no mercado nacional um protocolo de certificação que vem regular o processo produtivo em consonância com os requisitos mais avançados em termos de Bem-Estar Animal. A Certificação já está aprovada e promete distinguir o mercado português como um dos melhores do mundo.
O bem-estar animal é parte integrante do conceito de qualidade, no que diz respeito aos alimentos de origem animal. Em resposta às atuais expectativas dos consumidores e aos requisitos de mercado, a FILPORC pretendeu definir novas escalas e respetivos padrões de qualidade em bem-estar animal, em todo o ciclo produtivo, criando um sistema de monitorização e garantias para a adoção de 2 níveis de certificação em bem-estar animal na produção que constarão do rótulo da carne de porco.
A certificação destina-se aos produtores, transportadores e indústrias do abate e transformação que pretendam aderir ao sistema de certificação de bem-estar, e aos organismos de certificação.
Por ser um projeto de fileira, a FPAS desenvolveu o referencial em articulação com a APIC, transferindo esta ação para o seio da FILPORC. Durante o ano 2020 o referencial foi estabilizado, sendo apresentado pela FILPORC à DGADR que o aprovou por despacho do Diretor-Geral a 1 de setembro de 2021, estando iminente a sua implementação.
DO PRADO AO PRATO
O Pacto Ecológico Europeu, através da sua estratégia “Farm to Fork”, aponta como objetivo específico da política agrícola comum no horizonte 2030 a melhoria do nível de bem-estar animal e o combate às resistências a agentes antimicrobianos, sendo este um dos eixos de desenvolvimento estratégicos tendentes à sustentabilidade da produção animal na Europa.
Também na orientação estratégica e lógica de intervenção na implementação do PEPAC 2023-2027 desenvolvida pelo GPP, em consonância com as organizações representativas dos setores agrícolas, é estabelecida como forma de intervenção na área da melhoria do bem-estar animal a rotulagem e promoção de modos de produção sustentável como instrumento promotor da rastreabilidade, da garantia de segurança e da informação prestada ao consumidor.
Nesse sentido, a FILPORC desenvolveu o seu referencial de certificação em bem-estar animal de suínos que introduz na produção, transporte e abate procedimentos mais restritivos e rigorosos do que os legalmente impostos na área do bem-estar animal, indo ao encontro daquelas que são as recomendações sobre as melhores práticas baseadas em evidências científicas internacionais.
UMA CERTIFICAÇÃO ASSENTE NO RIGOR
O referencial que suporta o caderno de especificações da certificação em bem-estar animal foi desenvolvido com a assessoria técnico-científica da Faculdade de Medicina Veterinária, tendo como ponto de partida as práticas atuais da suinicultura portuguesa, e atuará em três eixos fundamentais:
1. Certificação: o referencial foi já materializado num caderno de especificações que, após homologação por parte da Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, será controlado por uma empresa certificadora independente.
2. Formação: com vista a capacitar os produtores para a aplicação do referencial em bem-estar animal e para melhorar de um modo geral as medidas conducentes ao bem-estar dos suínos, serão ministradas formações certificadas em parceria com unidades de ensino referência na área do bem-estar animal. A formação terá a duração de 16 horas, composta por 12 módulos, sendo posteriormente realizadas reciclagem e atualizações, com o intuito de garantir a evolução progressiva e ininterrupta das práticas de bem-estar animal nas explorações portuguesas.
3. Desenvolvimento informático: de modo a garantir a rastreabilidade do processo será desenvolvida uma plataforma informática que permitirá ao produtor conhecer o seu processo no âmbito da certificação e formação, à entidade certificadora controlar em tempo real a movimentação dos suínos ao abrigo desta certificação, aos operadores do abate conhecerem o estado de determinada exploração dentro do programa e aos consumidores terem a informação sobre todo o processo de produção “do prado ao prato”.
AS CERTIFICAÇÕES AO ABRIGO DA NOVA PAC
O artigo 28º do Plano Estratégico da PAC, da Presidência do Conselho Europeu, de 17 de setembro de 2019, define que para fins de avaliação da aceitabilidade de um esquema de certificação como um ecorregime, o conteúdo do esquema de certificação, ou seja, as práticas / compromissos, serão o ponto principal a ser considerado.
Os esquemas de certificação com foco no bem-estar animal podem ser apoiados por ecorregimes. No entanto, a comissão não pode confirmar a priori que todos os sistemas de certificação podem ser financiados por ecorregimes, devendo ter em conta a arquitetura dos próprios referenciais; uma avaliação caso a caso é, portanto, necessária para garantir que os esquemas de certificação são suficientemente exigentes em relação aos objetivos de bem-estar animal e estão alinhados com as necessidades identificadas num determinado Estado-Membro / região.
Dependendo das disposições dos Estados-Membros, as autoridades nacionais podem reconhecer alguns esquemas de certificação geridos por organismos privados.
Neste caso, a supervisão do desempenho do esquema de certificação será assegurada por uma terceira parte que substitui as autoridades nacionais, embora as autoridades nacionais sejam as responsáveis em última instância por garantir a proteção dos interesses financeiros da União.
No caso de pagamentos de ecorregimes com base no art. 28 (6) b (compensação), o cálculo do prémio é baseado nos custos incorridos, perda de receita e pode também cobrir os custos de transação. Os custos de certificação (ou uma parte) podem ser considerados como custos de transação. Ainda de acordo com o artigo 28º (6), segundo parágrafo, apoio a um determinado ecorregime assume a forma de um pagamento anual para todos os hectares elegíveis abrangidos pelos compromissos.
Os pagamentos concedidos em conformidade com o artigo 28.6 (b) (compensação) para o bem-estar dos animais podem também assumir a forma de um pagamento anual por cabeças normais (CN).
Deste modo, entende a FPAS ser fundamental integrar esta certificação no âmbito dos ecorregimes a implementar em Portugal, capacitando os produtores nacionais a cumprir com a agenda agrícola europeia para a próxima década e colocando a fileira nacional da carne de porco na posição de liderança no que respeita aos padrões de bem-estar animal no modelo de produção eficiente.
O REFERENCIAL DE REFERÊNCIA MUNDIAL
O protocolo de certificação em bem-estar animal da FILPORC foca-se nos aspetos produtivos mais importantes que podem influenciar o bem-estar animal nas diferentes etapas do ciclo produtivo:
1. COBRIÇÃO
As porcas são em geral submetidas a inseminação artificial (2-3 vezes) sendo importante cuidar dos seguintes aspetos:
• bom estado corporal dos animais à cobrição;
• bom estado de higiene.
Os animais, quando mantidos em jaulas individuais, são transferidos para os parques para ficarem em grupo, 4 semanas após a cobrição.
Em alternativa, as porcas podem ser colocadas em grupo imediatamente após a cobrição. Podem ainda ser colocadas em grupo logo após o desmame e inseminadas nessas instalações.
2. GESTAÇÃO
As porcas fazem a gestação em parques onde estão em grupo. Os parques devem ser dimensionados para que, cumprindo o plano de produção, garantam as áreas mínimas.
A manutenção da condição corporal das porcas é importante para que cheguem ao parto sem excesso de peso ou excessivamente magras. Os sistemas de alimentação automáticos facilitam esta monitorização.
De acordo com o DL 64/2000 de 22/04, é necessário cuidar dos seguintes aspetos:
• alimentação apropriada em quantidade e qualidade e água de boa qualidade disponível;
• temperatura e humidade relativa do ar adequadas;
• ventilação e controlo da concentração de gases e poeiras;
• adequada manipulação para reduzir o stress ao mínimo;
• observação diária de desvios de saúde.
3. PARTO E CRIA
As jaulas de parto devem estar perfeitamente limpas e desinfetadas antes da entrada das porcas. Na transferência para este local, as porcas devem estar limpas.
As jaulas de parto devem ter no mínimo 2,5 m X 1,70 m.
Existem sistemas de jaulas amovíveis ao 5º dia pós-parto, que requerem áreas superiores.
Após o parto, a ninhada deve ser monitorizada para se assegurar que todos os leitões se encontram a mamar.
Deve ser providenciado aquecimento, se necessário, usando sistemas apropriados, como por exemplo tapetes térmicos ou lâmpadas de infravermelhos.
A cama dos leitões deve ser de material autorizado.
Os leitões devem ter água à disposição e de boa qualidade.
Os alimentos compostos complementares à aleitação deverão obedecer a percentagens mínimas de proteína bruta (PB), lisina e cereais.
Os leitões nascidos em explorações sediadas no território nacional são tatuados até aos 15 dias de idade, com o número de exploração na orelha direita e com o número do lote de nascimento na orelha esquerda (o número do lote corresponde ao número da semana de nascimento).
O corte de cauda não deve ser realizado por rotina (Decreto-Lei n.º 135/2003, de 28 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 48/2006, de 1 de março). Quando esta operação seja necessária, de acordo com parecer do médico veterinário, deve ser realizado antes do 7º dia de vida, por um médico veterinário ou por uma pessoa treinada, com experiência na execução das técnicas aplicadas, e com meios e condições de higiene adequadas.
Os leitões (machos) são castrados cirurgicamente até aos 7 dias de idade, com recurso a anestesia por pessoa com formação, ou praticada a imunocastração.
É permitida a limagem dos colmilhos, operação que deve merecer cuidado.
Devem ser registadas todas as intervenções efetuadas no leitão, tais como administração de ferro, vacinas e outros.
O desmame será feito com uma idade mínima de 4 semanas e máxima de 5 semanas, após o qual os animais passam para as instalações de recria.
4. RECRIA E ENGORDA
A constituição de grupos de recria deve misturar o mínimo possível os leitões de diferentes ninhadas e deve ser dimensionado de acordo com o grupo que permanecerá na engorda.
Os materiais manipuláveis devem cumprir o estipulado na Recomendação 366/2016 da Comissão e fornecidos em quantidade suficiente.
Os animais devem ter água à disposição e de boa qualidade.
Os comedouros devem ser concebidos para minimizar a competição entre os animais, sejam centralizados e redondos ou compridos.
Os programas alimentares nas fases pós-desmame, de recria e engorda devem obedecer a percentagens mínimas de PB, lisina e grãos de cereais.
De acordo com o DL 64/2000 de 22 de abril, é necessário cuidar dos seguintes aspetos:
• temperatura e humidade relativa adequadas;
• ventilação e controlo da concentração de gases e poeiras; • adequada manipulação por parte dos tratadores;
• observação diária de desvios de saúde.
Serão registadas todas as intervenções efetuadas aos leitões.
Entre as 9 e 12 semanas os leitões passarão para a sala de engorda.
Caso haja necessidade de tratar um animal com medicamento injetável, já na fase final do processo de engorda, esse animal tem de ser identificado e retirado do programa, até cumprir o intervalo de segurança.
Os animais serão abatidos quando atingirem o peso de terminado pelas condições de mercado, procurando-se sempre uma uniformização de pesos.
5. CARGA, TRANSPORTE E DESCARGA
Os animais são transportados para o matadouro por transportador de animais vivos autorizado e aderente ao programa.
Os animais devem ser conduzidos tranquilamente (por exemplo com a utilização de placas para os fazer avançar) sendo proibido o recurso à violência ou a qualquer método suscetível de provocar medo, lesões ou sofrimento desnecessários, evitando-se o uso de instrumentos destinados a administrar descargas elétricas (Regulamento (CE) 1/2005).
Ao serem carregados, dão origem a um lote de carga.
As viaturas devem ser limpas e desinfetadas após cada descarga de animais e secas antes de cada carga de novos animais.
Todos os porcos devem poder, no mínimo, deitar-se ao mesmo tempo e ficar de pé na sua posição natural. A densidade máxima no camião não deve exceder os 235 kg/m2 (porcos de cerca de 100 Kg).
Os suínos podem ser transportados por um período máximo de 24 horas. Durante a viagem, devem ter sempre água à disposição. Os leitões não desmamados, devem, após 9 horas de viagem, ter um período de repouso de pelo menos 1 hora, suficiente nomeadamente para serem abeberados e, se necessário, alimentados (Regulamento (CE) 1/2005).
6. ABATE
O matadouro deve ser aderente ao programa.
À chegada, os animais são identificados na abegoaria com o seu número de lote de carga.
O tempo de espera dos animais deve ser de acordo com a duração da viagem, sendo o período máximo de jejum de 12h. Devem ser tomadas medidas para que os animais não sofram devido à privação prolongada de alimentos ou água. Em tempos de espera prolongados devem ser providenciadas camas aos animais (Regulamento (CE) 1099/2009).
O matadouro procede ao abate por lotes do dia e as carcaças levarão uma marca referente ao lote a que se referem.
Devem ser cumpridas as normas legais de bem-estar animal no abate (Regulamento (CE) 1099/2009), com especial atenção para o encaminhamento, insensibilização e abate imediato.
As viaturas de transporte devem ser limpas e desinfetadas.
INDICADORES E AVALIAÇÃO
Nas explorações pecuárias, cada classe de animais é avaliada com 100 pontos e a ponderação total é realizada de acordo com a Tabela 1.
Tabela 1. Ponderação das classes animais para a avaliação global da exploração
Para cada classe da tabela 1. são estabelecidos um conjunto de indicadores de bem-estar que se podem categorizar em 5 grandes grupos:
• Requisitos de instalação
• Requisitos de maneio
• Aspetos fisiológicos
• Aspetos comportamentais
• Aspetos sanitários
NÃO FICAMOS POR AQUI…
Com a implementação desta certificação, a fileira da carne de porco portuguesa coloca-se na pole position mundial no que diz respeito às práticas de bem-estar animal e será certamente um fator diferenciado no mercado global.
Mas não ficam por aqui os projetos que a FPAS tem em curso no âmbito da promoção do bem-estar animal. Portugal, pelas mãos da FPAS, lidera um consórcio europeu que junta 17 associações de produtores de suínos em 19 países europeus, desde a maior à mais pequena, de norte a sul, cobrindo 90% das explorações suinícolas europeias, que vão trabalhar em conjunto com 10 universidades e 4 institutos de investigação em toda a EU para que se leve a cabo uma investigação centrada nos parâmetros do bem-estar animal, nomeadamente no que diz respeito ao corte de caudas, castração, proibição de jaulas, condições de transporte e abate.
Este consórcio, denominado de Welfarmers e que será coordenado pela FPAS, apresentou a candidatura a uma call europeia dentro do programa HORIZON EUROPE, que contempla ainda a criação de plataformas digitais para medir os níveis de bem-estar animal aplicado em vários países europeus, através da utilização de sistemas de integração de dados anteriormente utilizados na saúde humana, que vão permitir melhorar o bem-estar dos animais em toda a cadeia de produção de suínos, contribuindo assim para melhorar os sistemas de produção sustentáveis de suínos.
O projeto Welfarmers vai ao encontro da estratégia “Farm to Fork” e embora se limite a estudar apenas a fileira da carne de porco para maximizar o progresso com os recursos disponíveis, servirá de modelo para outros setores pecuários da União Europeia.