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BEM-ESTAR ANIMAL, SEGURANÇA ALIMENTAR E CERTIFICAÇÃO – UM TRUNFO PARA A SUINICULTURA NACIONAL

O Bem-estar dos animais é um tema de grande importância para os cidadãos europeus e tem particular regulamentação na legislação europeia, nomeadamente no Tratado Europeu do Funcionamento da União Europeia (Tratado de Lisboa), o qual reconhece os animais como seres sencientes.

Susana Pombo*

 

A importância do assunto ficou evidenciada nos resultados do Eurobarómetro 2020 para avaliar conhecimentos dos cidadãos europeus face ao sistema alimentar, em que o bem-estar animal foi identificado como um dos fatores que influenciam os seus hábitos e escolhas alimentares, apesar de fatores como a segurança do produto e o seu preço continuarem a constituir as principais motivações. É importante referir que este interesse varia
entre regiões da Europa, sendo condicionado por género, idade, nível de educação e poder de compra.

As tendências europeias são, naturalmente, acompanhadas pela população portuguesa, e as questões respeitantes ao bem-estar animal são amplamente debatidas pela sociedade, devendo constituir uma prioridade para todo o setor produtivo.

No início de 2020, foram lançados no Conselho Europeu apelos à adoção de novas medidas em matéria de rotulagem relativa ao bem-estar dos animais, tendo alguns Estados-Membros salientado a necessidade de se instituir um quadro que possibilite a aposição de um rótulo europeu de bem-estar animal nos alimentos produzidos de acordo com normas que excedam os requisitos legais mínimos aplicáveis nessa matéria.

De acordo com a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), a segurança dos alimentos é indiretamente afetada pelo bem-estar dos animais devido à íntima relação entre este e a saúde, incluindo a vulnerabilidade a zoonoses (doenças de origem animal transmissíveis ao homem).

A garantia do bem-estar dos animais de produção está, na maioria dos casos, associada à existência de boas práticas de maneio, tendo impacto no crescimento, reprodução e sobrevivência dos animais. É reconhecida a relação entre a melhoria das condições de bem-estar dos animais e o aumento da resistência a doenças, pelo que os conceitos de Saúde e Bem-estar animal são indissociáveis: más condições de bem-estar animal também levam a um aumento da suscetibilidade dos animais à doença, a perdas por mortalidade, com impactos negativos na segurança dos produtos de origem animal
com consequentes riscos de impacto negativo na saúde pública. Uma melhor saúde animal reverte-se em mais bem-estar, reduzindo a utilização de medicamentos, entre os quais se destaca a redução de uso de antimicrobianos, desejável no combate às resistências de vários agentes a estes produtos. Saúde e Bem-estar animal são, assim, questões de extrema importância, tendo em conta os desafios relacionados com a sustentabilidade das
explorações.

A nível comunitário e nacional, existe um vasto leque de legislação na área do bem-estar animal que abrange a produção primária (explorações pecuárias), o transporte e o abate. Nas últimas quatro décadas, esta legislação tem evoluído de forma progressiva e é uma das mais avançadas a nível mundial, sendo aplicada de forma harmonizada em todos os EM, incluindo Portugal, existindo ainda diplomas nacionais que estabelecem regras mais restritivas, bem como todo o quadro sancionatório.

Enquanto autoridade competente a nível nacional, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), em virtude das suas atribuições, é a entidade competente na definição e aplicação das políticas nas áreas da segurança dos alimentos e proteção animal, nas suas vertentes de Registo e Identificação, Saúde e Bem-estar animal. Cabe-lhe a promoção e implementação da regulamentação em matéria de Bem-estar dos animais nos locais de criação, transporte e abate, bem como a elaboração, coordenação e supervisão do Plano de controlo nacional, no âmbito do bem-estar dos animais nos locais de criação, transporte e abate, com o qual se assegura a verificação do cumprimento da legislação específica.

Neste contexto, o cumprimento da legislação de bem-estar animal, apesar de colocar permanentes desafios aos produtores pecuários, resulta em sistemas produtivos exigentes e com maiores garantias de proteção animal, que se refletem naturalmente na qualidade e segurança dos produtos produzidos.

No setor da produção de suínos, podemos avocar o grande desafio de 2013 que compreendeu um processo de conversão das explorações, para alojar porcas em grupo.

Atualmente, a questão da proibição do corte de caudas por rotina tem também obrigado o setor a procurar soluções e a adotar medidas relativamente ao problema da caudofagia, com impactos diretos na promoção do bem-estar dos animais.

Acresce mencionar a necessidade imperiosa de promover a redução da utilização de antimicrobianos, que está intimamente relacionada com a prevenção das doenças e a adoção de regras de Bem-estar animal.

O crescente interesse, por parte dos cidadãos, no que respeita às condições de produção dos animais e ao seu bem-estar, tem vindo a refletir-se numa maior consciencialização dos consumidores na compra dos produtos de origem animal, salientando-se os recentes apelos à adoção de novas medidas em matéria de rotulagem relativa ao bem-estar dos animais.

Desde 2007, que a Comissão e o Conselho reconhecem que a rotulagem relativa ao bem-estar dos animais, baseada em conhecimentos científicos comprovados e avaliada à luz de requisitos harmonizados, permitiria aos consumidores tomar decisões de compra informadas e aos produtores beneficiar de oportunidades de mercado, nomeadamente como meio de melhorar a competitividade da indústria alimentar da UE.

No âmbito da Estratégia do Prado ao Prato, que se enquadra no Pacto Ecológico Europeu (Green Deal), e através da qual se pretende criar sistemas de produção de alimentos mais justos, saudáveis e amigos do ambiente, a Comissão e o Conselho reiteraram que será feita uma análise das possíveis opções de rotulagem relativa ao bem-estar dos animais, a fim de melhor transmitir o seu valor ao longo da cadeia alimentar; será, ainda, feita a avaliação do impacto de um futuro quadro regulamentar comunitário, podendo eventualmente ser apresentada legislação neste âmbito.

Neste momento, a informação relativa ao bem-estar dos animais já aparece espelhada em alguns rótulos de géneros alimentícios, em resultado do cumprimento de esquemas nacionais e/ou privados de rotulagem e certificação, e que se refletem numa variedade de rótulos disponíveis no mercado.

A nível comunitário, e até à data, só a rotulagem dos ovos e da carne de aves é obrigatória, por força de legislação vigente.

Todos estes esquemas têm como premissa base o cumprimento da legislação, acrescendo requisitos adicionais em matéria de promoção do bem-estar animal. Desta forma, poderão sem dúvida constituir um mecanismo de melhoria das explorações e uma oportunidade para o setor produtivo, que ao produzir produtos diferenciados vão ao encontro das escolhas e preocupações dos cidadãos.

Em Portugal tem-se assistido a um interesse crescente na certificação em bem-estar animal, com particular enfoque no setor da produção de suínos e de bovinos (leite, carne), estando alguns destes esquemas reconhecidos pelo Ministério da Agricultura ou em ainda em avaliação. No que respeita à fileira suinícola, identificamos:

• O esquema de certificação Porco.pt, baseado no cumprimento da legislação específica e na exigência de requisitos adicionais em matéria de Bem-estar animal (incremento face aquilo que se encontra legalmente estabelecido quanto ao espaço/animal nas engordas e no transporte), com especificações para produção, comercialização e rotulagem de carne de suíno no âmbito da rotulagem facultativa de carnes;

• O esquema de certificação, ainda em processo de reconhecimento, visando também a “certificação em bem-estar animal na produção de suínos”, no âmbito do regime de rotulagem facultativa. Este esquema também é baseado no cumprimento da legislação específica, mas com um muito maior grau de exigência relativamente a requisitos adicionais em matéria de bem-estar animal, nomeadamente através da monitorização de indicadores específicos (por exemplo, o espaço por animal em maternidades, recrias e engordas, comportamento, parâmetros ambientais, saúde, alimentação).

No entanto, importa que estes esquemas de rotulagem consigam informar corretamente os cidadãos no momento da escolha de aquisição
dos produtos, acrescentando transparência ao mercado e garantindo que os produtores pecuários, que aplicam estes padrões de bem-estar animal mais
elevados, sejam devidamente recompensados, fazendo com que a certificação seja um sistema justo e transparente, harmonizado, que dê suporte às diferentes abordagens e que forneça informação equivalente ao consumidor.

Tão importantes iniciativas devem ser sempre suportadas em equivalentes investimentos em campanhas de comunicação e esclarecimento dos cidadãos, que lhes permita melhor compreender os esquemas produtivos e os habilite a escolhas informadas no processo de aquisição dos vários produtos da cadeia agroalimentar.

*Diretora-Geral da DGAV