As propostas da Política Agrícola Comum, publicadas no já longínquo ano de 2018, foram recebidas com algumas críticas, mas, sobretudo, com alguma surpresa, especialmente, no que toca ao seu quadro de implementação e marcada ambição ambiental.
Vieram as eleições europeias, uma mudança total na presidência da Comissão Europeia com apresentação de novas políticas e ambições para a União, um novo mandato no Parlamento Europeu, um novo Quadro Financeiro Plurianual, várias guerras comerciais, o Brexit, crises sanitárias e, por fim, uma pandemia.
Olhamos hoje para estas propostas com um contexto longe de comparável, mas será isso suficiente para as desvalorizar e com elas, a própria PAC?
A proposta da Comissão para a PAC pós-2020 introduziu três novas ideias de fundo: um novo modelo de implementação e estrutura de governança, uma maior ambição climática e ambiental e uma maior justiça na distribuição dos pagamentos. Aqui encontramos referências como o plano estratégico nacional, a passagem da conformidade para o desempenho ou a nova arquitectura verde e os eco-esquemas. Ficaram estabelecidos três objectivos gerais e nove objectivos específicos contra os quais e através de indicadores será medido o desempenho.
Entra, em cena o Pacto Ecológico, um amplo pacote que define as principais directrizes políticas da Comissão liderada pela Presidente von der Leyen nos cinco anos do seu mandato. O novo quadro emblemático da UE vai mais além de uma simples política climática. Inclui um novo modelo de crescimento sustentável da UE, enfatizando que a descarbonização, a sustentabilidade, a proteção dos recursos naturais, a saúde pública e a competitividade económica devem andar de mãos dadas.
A sua tradução no que respeita o sector agro-alimentar passa por duas Comunicações, a estratégia do Prado ao Prato e a estratégia para a Biodiversidade. Não tendo a força de propostas legislativas, não são juridicamente vinculativas nem justificadas por estudos de impacto, estas estratégias estipulam mesmo assim certos objectivos a atingir e apresentam roteiros de acções nesse sentido.
Como será fácil compreender, a interligação entre a proposta da PAC e estes novos objectivos políticos não é desprezável.
Analisando as consequências da estratégia do Prado ao Prato sobre a PAC pós-2020, a Comissão concluiu que a sua proposta da PAC já estava em conformidade com as novas ambições do Pacto Ecológico para o sistema alimentar. No entanto, não deixou de advertir que o potencial para impulsionar estas novas ambições obrigaria a algumas melhorias na legislação final da PAC devendo na prática ser desenvolvidas iniciativas para tornar mais eficiente a implementação da futura PAC. A Comissão deixa assim uma porta aberta.
Chegamos então a Novembro de 2020. Nas vésperas, um período transição já regulamentado e que estará em vigor em 2021 e 2022, passo fundamental para o sector, tornado obrigatório pelas delongas do processo legislativo, mas que permite garantir a continuidade das regras actuais e de não menos importância, o orçamento para este período.
As negociações da PAC pós-2020 estão na chamada recta final. O Conselho de ministros da Agricultura e o Parlamento Europeu acordaram os seus mandatos de negociação para esta fase final do processo e decorrem os trílogos, reuniões conciliatórias entre as três instituições, que permitirão um acordo final de aprovação da próxima Política Agrícola no início do próximo ano.
Se considerarmos como referência base as propostas da Comissão, os mandatos de negociação podem ser vistos como uma mistura. Em muito pontos vão mais além da ambição base e noutros pontos são mais conservadores. Bom exemplo são os eco-esquemas, nova categoria criada para valorizar práticas agrícolas favoráveis ao clima e ao meio ambiente. Segundo a Comissão este regime deve ser obrigatório para os Estados-Membros e voluntário para os agricultores, o Conselho avança um valor de 20% como mínimo a eles destinado, o Parlamento vai mais longe dedicando 30% mas a Comissão recusa avançar, pois considera a excessiva a flexibilidade introduzida por estas instituições no desenho das medidas, mesmo percentagens mínimas, a eles dedicadas.
Se alguns pontos são já seguros, teremos um novo modelo de implementação e controlo; um plano estratégico único incluindo medidas de mercado, ajudas directas e desenvolvimento rural com medidas harmonizadas para serem atingidos os objectivos; as ajudas directas serão estruturadas em apoio ao rendimento de base para garantir a sustentabilidade, eco-esquemas, redistributivo, jovens, apoio associado e pequenos agricultores. São igualmente numerosas as incertezas, pois, entre outras, não estão ainda definidas as regras base da nova condicionalidade reforçada; quais as medidas agroambientais que podem ser contabilizadas para a percentagem mínima obrigatória de contribuição ambiental do desenvolvimento rural; as percentagens destinadas a cada uma das componentes das ajudas directas; se existirá capping e com qual valor ou qual a velocidade para a convergência interna.
Só o avançar das negociações poderá trazer certezas e permitir escolhas nacionais estratégicas de fundo.
Serão apresentadas recomendações específicas aos Estados-Membros para o desenho dos seus Planos Estratégicos para que estes aproveitem a nova flexibilidade para medidas nacionais bem adaptadas às suas realidades sem medos. Em quanto os novos objectivos influenciarão o seu desenho ainda está para ser definido, mas com base na informação que já temos, é fundamental uma análise interna em cada sector, permitindo definir objectivos claros e mais ainda medidas específicas que permitam traçar o próprio caminho nesta transição que se avizinha.
* Representante da CONFAGRI em Bruxelas