É considerado o principal “rosto” da Federação pela sua dedicação à FPAS ao longo de 23 anos. Consigo guarda muitas memórias. Memórias pessoais de uma vida que se confunde com a própria suinicultura portuguesa. No ano em que se celebra os 40 anos da FPAS, é inevitável “ouvir” as suas histórias, embora muito fique por contar.
Como recorda a sua entrada para a FPAS?
É uma longa história, que se confunde com a própria génese da FPAS. Indiretamente, através da empresa (Bordinas – Sociedade Pecuária, Lda) de que era sócio à data da sua fundação, fomos um dos signatários da escritura de fundação da FPAS.
Nos anos que se seguiram, fiz parte dos Corpos Sociais da FPAS, como representante da APS – Associação Portuguesa de Suinicultores, da qual fui Diretor de 83 a 95.
Mais tarde, em 1996, pelo facto de ter deixado de ser suinicultor e pela venda da minha exploração, abandonei completamente a atividade associativa, incluindo a presença na Mesa de Cotações da Bolsa do Porco, à qual pertenci desde o primeiro dia.
Para minha grande surpresa, em finais de 1997, quando nada fazia prever essa situação, a dupla Abílio Gaspar, à data Presidente da FPAS, e Hélder Duarte, Secretário-Geral da APS (Associação Portuguesa de Suinicultores), fizeram-me uma autêntica perseguição no sentido de eu regressar às lides, convidando-me para assumir a responsabilidade de Secretário-Geral da FPAS, quando faltavam pouco mais de 4 meses para a realização do 6º Congresso da, entretanto extinta, OIP – Organização Ibero-americana de Porcicultores.
Por razões que os mais próximos de mim bem conhecem, tive uma forte relutância em aceitar tal convite dada a reconhecida existência de diferendos entre as várias tendências dentro do movimento associativo, as quais eram manifestamente visíveis e constrangedoras, augurando para mim uma difícil vida, o que eu, em abono da verdade, não desejava nem queria de forma alguma.
No entanto, a habilidade negociadora do Sr. Abílio Gaspar conseguiu “dar-me a volta”, argumentando que seria uma colaboração bem restrita no tempo, ou seja, só até à realização do Congresso. Aceitei e… o resultado foram 23 anos e 1 mês de dedicação plena a esta casa, que passou a ser praticamente a razão da minha vida, 365 dias por ano.
O que mais o marcou ao longo destes anos?
Pergunta de enorme complexidade, mas porque não realçar o enriquecimento humano obtido através da convivência com pessoas incríveis que comigo se relacionaram durante este longo período. Quem pensa que os suinicultores são uma cambada de boçais, engana-se redondamente. São indivíduos de elevada qualidade humana e intelectual, que deixam sempre um rasto de qualidade por onde passam. Só por isto a FPAS conseguiu granjear o invejável patamar de respeito e consideração, reconhecidos publicamente em todos os fóruns, nacionais e internacionais onde participa por direito próprio.
Sente que deixou um legado completo ou ainda havia muito para fazer?
A humildade em excesso é um defeito e, como tal, terei de reconhecer que, na minha modesta opinião, cumpria minha obrigação.
Numa primeira fase (uma boa meia-dúzia de anos), organizando os serviços e estabelecendo procedimentos que ainda hoje perduram, permitindo que os vindouros tenham uma vida mais facilitada.
Depois, defendendo até às últimas consequências o bom nome da FPAS e dos seus sucessivos Presidentes, ajudando-os a levar por diante a concretização dos respetivos programas de atividades, sempre baseados nas suas próprias análises e convicções. De realçar que me orgulho de a todos, sem exceção, ter servido com lealdade, respeito e amizade o que, julgo, será reconhecido por todos eles.
Por direito próprio, devo aqui referir o intenso e permanente trabalho no incremento das relações com congéneres nacionais e internacionais que cimentaram enormes amizades das quais sempre viemos, direta ou indiretamente, a auferir enormes vantagens. Recordo, por exemplo, um facto muito relevante que tem a ver com essa postura. A amizade pessoal cimentada ao longo de anos com Mariano Herrero levou a que o tenha convidado pessoalmente para estar presente numa reunião realizada no Montijo em 2013, a qual foi a semente de toda a preparação do PCEDA – Plano de Erradicação da Doença de Aujeszky, que depois fez o seu caminho e que agora está finalmente a chegar ao fim.
Se tivesse de recordar um só evento, qual seria?
Outra pergunta de muito difícil resposta. Pela dimensão, qualidade e divulgação do nome da FPAS aquém e além-fronteiras, claro que, em primeiro lugar e de forma bem destacada, devo referir o 2º Congresso Ibero-americano de Porcicultura, em Évora (2011), onde uma equipa de luxo, liderada pelo Sr. Joaquim Dias e por mim, conseguiu movimentar mais de 400 pessoas oriundas de mais de uma dúzia de países, durante 7 dias (de domingo a sábado), desde a sua chegada ao aeroporto até ao regresso a suas casas.
Talvez tenha sido esta a razão pela qual pertencemos desde essa altura à Junta Diretiva da OIPORC, sendo sempre recebidos com toda a pompa e circunstância nos locais onde nos reunimos regularmente, na América Latina.
Mas mal me ficaria se não recordasse os Congressos de Estoril (1998), Santarém (2001), Leiria (2006), Batalha (2013), Caldas da Rainha (2015), Cartaxo (2017), Rio Maior (2019), as reuniões internacionais do IMPA (Alcobaça e Ourique, em 2013, e Óbidos, em 2017), o Simpósio Anual Anaporc (2012), este com a particularidade de, pela primeira e única vez, ter sido realizado fora de Espanha e que reuniu em Lisboa (Pavilhão Ciência e Vida, Expo e Casino Estoril) mais de 250 técnicos e produtores ibéricos. Por fim, e não por ter menos valor, a reunião de Associações Ibéricas do setor (Arronches) e as dezenas de Sessões de Esclarecimento em todas as Associações Federadas, Simpósios, Reuniões Técnicas, Fóruns, etc.
A suinicultura foi uma paixão?
Sem dúvida que sim. Foi um “bichinho” que já vinha de família. O meu pai foi responsável pelo setor suinícola da ex-JNPP até morrer.
O meu primeiro mestre nestas artes foi o Dr. Tavares Cabral, uma autêntica referência do setor, com o qual colaborei desde 1973 na feitura e publicação do Despacho conjunto do Ministério da Economia e da Secretaria de Estado da Agricultura, o qual deu origem
ao diploma de 1974 que se tornou indiscutivelmente como documento-base de toda a suinicultura industrial que nasceu a partir daí, e que até hoje nunca deixou de se atualizar.
Seria falha minha não destacar aqui um pormenor que muito ajudou à minha formação em termos profissionais: a assunção de funções como responsável técnico da mais moderna unidade suinícola existente à época (1974). Refiro-me à Morgado Pecuária, gerida nessa altura pelo jovem Joaquim Dias. Aí aprendi através dele e do seu encarregado de exploração, Manuel Ramalho, muito do que vim a praticar enquanto responsável técnico de algumas dezenas de explorações suinícolas ao longo da minha vida.
Ainda dentro da questão colocada, gostaria de deixar aqui um testemunho que de muitos será desconhecido (ou por conveniência, omitido), que em 1977, quando ainda pouco se falava em Inseminação Artificial em Suínos, frequentei um “Cursillo de sémen fresco y congelado”, organizado pela empresa Genus Mallorca, em Espanha.
Mais tarde, em junho de 1986, em conjunto com um grupo de colegas e amigos liderados por Lino Conde, fui co-fundador da SCS – Sociedade Científica de Suinicultura, a qual ajudei a recuperar em 2004 e que hoje é uma associação de referência no panorama suinícola.
Igual paixão coloquei na formação da Bolsa do Porco, tendo ajudado a organizar as visitas de prospeção e aprendizagem às Bolsas de Silleda (Galiza), em 1988 e da Mercolérida (Lérida), em 1989, presidindo à Comissão Instaladora que, na presença do Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar, Eng.º Luís Capoulas, teve a sua primeira sessão (ver página 15 da revista “Suinicultura”, distribuída em fevereiro de 1992) a 30 de janeiro de 1992.
Como encara o estado atual da Suinicultura em Portugal?
Na minha análise pessoal, que vale o que vale, julgo que se está a conduzir o setor para um tipo de monopólio que não será bom para a suinicultura nacional e muito menos para o país agrícola, que tanto temos vindo a defender nestes 40 anos.
Havendo demasiada concentração, haverá o perigo de uma aquisição em bloco, ficando o país nas mãos de entidades estrangeiras que este não controla minimamente. Dir-me-ão que é a “globalização”. Eu diria que é falta de patriotismo, olhando unicamente para a carteira de cada um e não para o nosso Portugal.
Que ambições considera que a FPAS ainda pode ter para a promoção do setor?
Esta talvez seja a de mais fácil resposta, mas a de mais difícil previsão. O movimento associativo vive e sempre viveu da carolice de alguns. Ora o que se vai constatando ao longo dos tempos é que existem cada vez menos suinicultores que vivem o setor com o coração e não somente com base nas suas ambições pessoais.
Comecei a antever um mau fim para o movimento associativo liderado pela FPAS quando alguém, há uns 10 anos, me questionou se eu achava que o Belmiro de Azevedo ia às reuniões da respetiva associação empresarial. Respondi: “claro que não!”. De imediato, o meu interlocutor retorquiu: “Pois é assim que no futuro a FPAS terá que ser dirigida. Com bons gestores que representem os empresários. Esses têm mais que fazer do que perderem tempo em reuniões!”
Se assim acontecer (oxalá que eu já cá não esteja), a FPAS termina os seus dias de glória. Até lá e enquanto por aqui forem existindo pessoas da estirpe dos Presidentes David Neves, Vitor Menino e de todos os que os precederam, a FPAS terá muito trabalho pela frente.
Quais os seus projetos para o futuro?
Em termos profissionais, a minha carreira profissional chegou ao fim.
Não terá sido da forma que eu havia projetado, mas a vida é mesmo assim. Nem todos os nossos sonhos se conseguem concretizar.
Serei unicamente um espetador atento, mas não interventivo, olhando com enorme nostalgia para o escaparate onde guardo as minhas principais memórias:
• Medalha de Honra OIPORC, recebida das mãos do Vice-Presidente da República Dominicana (Punta Cana, 2009).
• Nomeação como 1º “Sócio Honorário” da IAAS, UTAD (Vila Real, 2017).
• Troféu “Mérito e Excelência” recebido das mãos do Ministro de Agricultura (Porco d´Ouro, Torres Vedras, 2017).
• Nomeação como “Assessor vitalício” da OIPORC (Lima, Perú, 2017).
• Troféu de Carreira (XXI Congreso ANCOPORC, Madrid, 2018), pelos serviços prestados em favor da porcicultura ibero-americana.
• Troféu de reconhecimento e amizade PIGCHAMP (Segóvia, 22 de janeiro, 2019), igualmente outorgado pelos serviços prestados em favor da porcicultura ibero-americana.
• As dezenas de Menções de reconhecimento pela organização das Delegações Oficiais Portuguesas à FIMAGANADERA (2001 a 2021) e a várias SEPOR (Lorca).
• E também, o que muito me honra, pois demonstra o reconhecimento pelo trabalho que desenvolvi no dia–a-dia na FPAS, as dezenas de “Propostas de Louvor” aprovadas por unanimidade pelas sucessivas AG´s da FPAS realizadas ao longo de 23 anos.