Joaquim Dias foi Presidente da FPAS durante 4 anos, nos períodos de 1993/1995 e 2009, com um legado marcado por muitas conquistas que marcaram o rumo da Federação. É através do seu “olhar” que revisitamos alguns dos episódios mais relevantes do passado e projetamos o rumo da Suinicultura para o futuro.
Como lembra a FPAS nestes 40 anos?
Foram muitos anos, vividos intensa e apaixonadamente numa séria relação matrimonial, durante a qual convivi e partilhei inolvidáveis momentos de alegrias tristezas, ilusões e desilusões, mas sobretudo tempos de grandes amizades e solidariedade, quer pessoal quer profissionalmente, com muitos e bons amigos, entre os quais quero destacar muito particularmente o Eng.º António Tavares, o Dr. Simões Monteiro e o Dr. José Reis, e quero lembrar apenas aqueles que já não estão entre nós e deles guardo a mais profunda gratidão e saudade: Dr. Tavares Cabral, Prof. Dr. Braço Forte, Dr. Faria dos Santos, Muñoz Cruz, José Inácio, Prof. Dr. Antunes Correia, Dr. Lino Conde, Dr. Machado Gouveia, Joaquim Faria, Artur da Fonseca, Dr. Francisco Reis, Dr. Coias Capelas e Dr. Frederico Moreira Rato.
De que forma a FPAS traçou o caminho da suinicultura portuguesa?
A FPAS, desde a sua fundação, sempre pautou a sua atividade priorizando a defesa intransigente dos interesses das Associações Federadas e consequentemente da Suinicultura nacional, privilegiando ao longo do tempo um relacionamento institucional e político assente em reivindicações bem estruturadas e fundamentadas na sua “verdade”, o que lhe granjeou um invejável património de credibilidade e prestígio juntos dos parceiros sociais e políticos.
Quais os principais acontecimentos que considera que marcaram a atividade da FPAS?
De entre o acervo histórico da FPAS, lembro as peripécias do “namoro” entre as três Associações fundadoras e das árduas e demoradas negociações para a revisão dos estatutos, terminadas num célebre almoço de trabalho no restaurante Moinho do Rouco, em Leiria, com presença dos secretários-gerais da ALIS e da APS, mandatados pelas respetivas Direções. O inacreditável “copianço” do então inacessível e bem guardado software do ITP francês, para prepararmos e implementarmos o arranque do Livro Genealógico Português de Suínos. As espetaculares Feiras Nacionais do Porco realizadas no Montijo, superiormente organizadas pelo Eng.º António Tavares, com a presença de milhares de visitantes, traduzidas num impacto mediático de dimensão internacional. A invasão do Terreiro do Paço em Lisboa, com um mega churrasco de carne de porco para milhares de lisboetas sob o olhar atento e divertido de um simpático e enorme porco gigantone de papel. O enorme sucesso dos concursos nacionais de carcaças e de raças puras.
O célebre FORUM95, realizado em Leiria, com a participação dos principais atores e agentes económicos da fileira da carne de porco. As jornadas de luta, árduas e difíceis, culminadas com o corte da autoestrada em Vila Franca de Xira e na entrada para a Ponte Vasco da Gama. A viagem relâmpago a Bruxelas com o Eng.º António Tavares para negociarmos um contingente de milho de intervenção a preços competitivos, quando os stocks em Portugal estavam quase a zero e outros interesses se levantavam para que tal desiderato não fosse alcançado.
O II Congresso Nacional realizado no Montijo, com conclusões perfeitamente atuais, passados tantos anos. A célebre reunião do Cartaxo durante a qual, e num inesperado momento de inspiração, se desbloqueou a interdição ao subsídio da eletricidade verde para a suinicultura.
Os estudos ambientais encomendados e pagos pela FPAS e os consequentes protocolos assinados com dois ou três Ministros do Ambiente, que nunca chegaram a ser implementados por inércia política.
A Crise do Setor em 1998 e as violentas confrontações com a GNR em Rio Maior, numa clara e inequívoca demonstração de unidade, culminadas com uma grande manifestação frente à Assembleia da República e a entrega simbólica aos representantes dos partidos políticos de vários leitões, devidamente acondicionados em cestos.
A nossa chamada a Belém pelo Senhor Presidente da República, preocupado então com a largada de porcos e leitões em várias cidades do país à mesma hora e no mesmo dia.
Enfim, foram muitos anos cheios de trabalho e dedicação ao associativismo nos quais participei na plenitude e acho que a melhor maneira de registar e recordar é deixar aqui expressos o reconhecimento e o agradecimento a todos (e foram muitos) aqueles com quem comunguei e partilhei as horas mais difíceis e as horas mais alegres desta inolvidável caminhada.
Enquanto ex-Presidente da FPAS, o que mais destaca do seu legado?
Não posso deixar de lembrar que nós e a A.P.C.R. Selectas liderámos, coordenámos e fomos responsáveis pelo entendimento entre a ALIS e a APS, aquando a fundação da FPAS, para a obtenção das linhas de crédito a fundo perdido para o fomento da suinicultura intensiva no país, tendo para o efeito participado no elenco diretivo de uma e outra associação.
Liderámos e fomos responsáveis pelo arranque do L.G.P. Suínos e a implementação da sua gestão na FPAS, sendo este o motor da vida económica da FPAS durante muitos anos. Fomos corresponsáveis e parceiros ativos nas célebres Feiras do Porco no Montijo que atingiram projeção internacional e eram uma das referências a nível nacional para os agentes económicos da Fileira da Carne de Porco.
Por força da nossa adesão à CAP desde a formação daquela Confederação, a única do setor desde então, assegurámos um representante permanente no COPA-COGECA em Bruxelas, que tem vindo a servir a FPAS e as restantes associações do setor.
Planeámos e organizámos o FORUM95 em Leiria, com a presença dos principais agentes económicos de toda a Fileira, com conclusões importantíssimas e das quais ainda hoje podem ser recolhidas as principais linhas estratégicas para o futuro.
Negociámos em Bruxelas, junto da Comissão, no meio de grandes pressões políticas internas e de outros países da Comunidade, o célebre contingente de 250.000 toneladas de milho de intervenção a preços altamente vantajosos para o setor, que resultou num benefício “direto” de 1,5 milhões de contos aos suinicultores.
Liderámos as célebres ações de contestação política em 1995 e 1998 e coordenámos o primeiro corte de uma autoestrada e de uma ponte em Portugal com os resultados que se conhecem.
Liderámos o Grupo de Trabalho para a Competitividade sediado no GPPA por despacho do Secretário de Estado da Agricultura e de cujo relatório ainda hoje se podem e deviam retirar diretivas políticas para o desenvolvimento da Fileira.
Liderámos o Grupo de Trabalho para a implementação da Organização Interprofissional sediado no GPPA, também nomeado pelo Secretário de Estado da Agricultura, com a preciosa e indispensável participação do Dr. José Reis, permitindo vencer todas as barreiras académicas e científicas para o reconhecimento da Raça Malhado de Alcobaça.
Somos o principal responsável pela atribuição do subsídio da eletricidade verde para a suinicultura, após uma feliz intervenção num plenário no Cartaxo com a presença do governo. Esta ação resultou na injeção de muitos milhares de contos no setor.
Recuperámos a Presidência do Grupo de Trabalho da Carne de Porco em Bruxelas, desempenhada pelo nosso representante Eng.º António Tavares, numa resposta rápida e eficaz à inqualificável atitude da CAP, através da filiação da FPAS na CONFAGRI.
Destaco ainda os eventos mais significativos em que intervim:
– O “OIPORC’11” – realizado em Évora em 2011, com a presença de 500 congressistas representando 16 países, um enorme sucesso social, político e económico para a FPAS;
– O “Forum95” – realizado em Leiria em 1995, com a presença de uma centena de entidades representando toda a fileira da carne de porco nacional;
– O “Encontro Ibérico da Fileira” – realizado em Arronches, com a presença de toda a fileira da carne de porco
de Portugal e Espanha;
– A Cerimónia de Assinatura em Santarém do Documento Oficial que reconheceu definitiva e cientificamente o Porco Malhado de Alcobaça como raça autóctone.
Quais os principais obstáculos que teve de enfrentar como Presidente?
Se bem se lembram os mais velhos, as gravíssimas consequências causadas no nosso Setor pela precipitada, mal preparada e mal negociada abertura das fronteiras, em 1993 (aquilo que nós sofremos e muito contestámos!); as crises conjunturais que se seguiram, com o inevitável e sistemático lançamento em força de novos produtos no mercado nacional; a uniformização progressiva dos gostos e dos padrões de consumo, a crescente transferência do poder comercial para a “procura”, em detrimento da “oferta”; as ondas de choque e as respetivas réplicas provocadas pelo forte sismo da BSE com graves repercussões na fileira da carne de bovino, e também indiretamente no nosso setor; a interminável polémica das hormonas e a mal explicada questão das dioxinas nas aves, que provocaram na comunicação social, nos consumidores e, consequentemente, nas respetivas fileiras uma tremenda confusão, colocando-nos a todos, desde então, numa reativa mas indisfarçável preocupação quanto ao futuro.
Que desafios prevê para a FPAS nos próximos anos?
Embora afastado há já algumas dezenas de anos, penso que os principais desafios que atualmente se colocam ao Setor ainda subsistem e são transversais a toda a Fileira da Carne de Porco no nosso país. Questões como o Bem-Estar Animal, Sanidade Animal, Competitividade, Meio Ambiente e Organização Profissional constituem intrinsecamente, algumas ilhas de resistência, que no momento presente justificam um redobrada atenção e respostas mais eficientes e eficazes por parte de toda a fileira.
A Fileira da Carne de Porco, à semelhança de outras fileiras alimentares, ainda convive não só com o julgamento implacável quer da comunicação social, quer da opinião pública e do consumidor, quanto à qualidade e à segurança alimentar do seu produto, mas também com um conjunto de fortes ameaças socioeconómicas, padronizadas por uma lógica de mercado livre, rumo à irreversível globalização da economia mundial.
Na sua perspetiva, que papel deve assumir a Federação no rumo da suinicultura?
Parece-me claro que o futuro está na capacidade e na vontade de produzir um produto final de qualidade superior, garantindo a segurança e a qualidade da carne através de novos padrões de qualidade e novos produtos de alto valor acrescentado. Não só os produtores, industriais de alimentos compostos para animais e transformadores devem assumir as suas responsabilidades sobre a qualidade do produto final, fornecendo animais, produzindo rações e transformando a carne, com padrões que excedam os requisitos legais e até as próprias expetativas dos consumidores, mas também os distribuidores devem procurar melhorar a gestão do conceito de qualidade, através da fidelização dos seus clientes pela qualidade e não apenas pelo preço, como parece continuar a ser prática corrente nas principais cadeias de distribuição do nosso país, numa política estritamente economicista, calculista, culturalmente americanizada, a qual, mais cedo ou mais tarde, poderá dar maus resultados… Estou a lembrar-me, por exemplo, da massificação dos produtos de marca branca e do efeito “boomerang” que poderá resultar dum imprevisível incidente sanitário…
Como vê a crescente onda das preocupações com a sustentabilidade ambiental e bem-estar animal por parte da sociedade?
Para o suinicultor é muito importante fazer chegar a mensagem ao consumidor que o primeiro interessado na sanidade e no bem-estar dos seus animais é o próprio criador porque só assim poderá usufruir não só de uma maior satisfação pessoal e afetiva mas também retirar uma mais-valia económica das performances técnicas da sua exploração, tanto mais que a produção de animais em estado sanitário elevado permite otimizar o potencial genético com um custo de produção 15 a 20 por cento inferior ao de uma exploração com um estado sanitário convencional.
Essa mudança implicará importantes alterações nos sistemas de produção, através de novos modelos zootécnicos, numa complexa interação entre as características genéticas, o alojamento, a alimentação, o maneio, abarcando parâmetros fisiológicos, sanitários e etiológicos, todos eles desenvolvidos e interligados, obviamente, numa clara função económica.
Portanto, em minha opinião, existem três tipos de razões suficientes para melhorar a sanidade e o bem-estar animal: razões éticas, razões económicas e razões legais. Por isso, alcançar de forma eficiente as mudanças requeridas pelos consumidores exige um enfoque sistémico onde a participação de todos os agentes do sistema agroalimentar será indispensável e fundamental.
Como perspetiva o futuro da suinicultura enquanto modelo de negócio?
É fundamental procurar um redimensionamento do tecido empresarial com maior dimensão do negócio, com mais capacidade para inovar e exportar de forma proativa. O “cluster” do porco deverá funcionar de maneira integrada, competitiva e distribuir o valor acrescentado entre todos os elos da cadeia de uma forma compensada.
Na verdade, o fenómeno da globalização é hoje de tal modo impositivo que nem aqueles que o contestam escapam à sua lógica.
No entanto, só com uma Organização Interprofissional forte, coesa e determinada, será possível garantir uma atitude criadora e reivindicativa junto do poder político, lançando-lhe um alerta vermelho uma vez que, nas prateleiras e nos balcões de frio e congelados das nossas superfícies comerciais, poder-se-á sentir cada vez mais a agonia da produção agroalimentar do nosso país.